Não conheço ninguém que, antes de a pandemia chegar ao Brasil, pudesse prever seus efeitos práticos sobre a vida de todos nós. É verdade que a imprensa chegou a divulgar as medidas de confinamento na China. Mas talvez tenhamos desejado atribuir isso a um alarmismo midiático, até que o vírus desembarcasse por aqui, pondo a todos em quarentena e atropelando toda a agenda econômica do país.
Em maior ou menor grau, as grandes cidades entraram em quarentena, com impacto profundo e imediato sobre o comércio. Também foi gravemente atingido o setor turístico, gerando o fechamento de hotéis e o cancelamento de milhares de voos; a indústria automobilística praticamente cessou suas atividades, só para ficar em alguns exemplos.
Mesmo que nem sempre enxerguemos isso, as diferentes atividades econômicas estão interligadas. Assim como a Covid-19, a crise econômica em um setor acaba se transmitindo a outro. Um trabalhador que perde seu emprego é mais um agente sem poder de compra e sem capacidade financeira para pagar o aluguel, ou o financiamento da casa própria ou do veículo. Será alguém que terá de optar entre pagar o condomínio, a mensalidade escolar ou alimentar a família…
Por sua vez, para o locador que depende da renda de seu imóvel para sua manutenção, o aluguel não recebido poderá comprometer a capacidade de honrar seus próprios compromissos, e assim por diante, numa verdadeira correia de transmissão. De uma forma ou de outra, poucos serão poupados da crise econômica. Diante disso, o que fazer diante da possibilidade de não conseguir pagar as contas em dia?
Por um lado, se esse cenário nos faz pensar numa possível explosão de conflitos, fato é que a legislação brasileira oferece uma série de regras que permitem, em circunstâncias como a presente, flexibilizar ou mesmo afastar o rigor de contratos. A título de exemplo: a multa pelo atraso no pagamento de alguma conta pode ser afastada quando esse atraso decorre de fato alheio à vontade do devedor. Evidentemente, isso exige a análise de cada caso em particular, sendo terreno fértil para os profissionais que, além de habilitados para agir juridicamente, também saibam usar das boas técnicas de negociação e mediação.
Talvez, mais do que nunca, devamos ressignificar um velho ditado: não se trata de fazer um mau acordo para evitar uma boa demanda. Num cenário assim, dificilmente um acordo será mau, e poucas demandas haverá que se possam chamar de boas…