Trava bancária de crédito oriundo de garantia fiduciária de empresa em recuperação não pode ser sobrestada

Trava bancária de crédito

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, nas hipóteses de recuperação judicial, não é possível o sobrestamento, ainda que parcial, da chamada trava bancária quando se trata de cessão de créditos ou recebíveis em garantia fiduciária a empréstimo tomado pela empresa devedora.

Para o colegiado, a lei não autoriza que o juízo da recuperação judicial impeça o credor fiduciário de satisfazer seu crédito diretamente com os devedores da empresa recuperanda.

No caso analisado, um banco pediu a reforma de acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que determinou a liberação das travas bancárias que impediam uma empresa de informática em recuperação judicial de ter acesso às contas bancárias e aos valores nelas retidos.

A decisão do TJGO baseou-se na alegação da empresa de que os valores seriam bens de capital essenciais, necessários para o seu funcionamento, e que a utilização da trava bancária poderia constituir grave entrave ao êxito da recuperação judicial.

No recurso apresentado ao STJ, a instituição financeira questionou a decisão, apontando que o crédito oriundo de cessão fiduciária de recebíveis seria extraconcursal, não podendo ser submetido aos efeitos da recuperação judicial por não se constituir em bem de capital.

Bem de capital

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, para ser caracterizado como bem de capital, o bem precisa ser corpóreo (móvel ou imóvel), deve ser utilizado no processo produtivo e deve se encontrar na posse da empresa.

De acordo com o ministro, a Lei 11.101/05, embora tenha excluído expressamente dos efeitos da recuperação judicial o crédito de titular da posição de proprietário fiduciário de bens imóveis ou móveis, acentuou que os bens de capital, objeto de garantia fiduciária, essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial, permaneceriam na posse da recuperanda durante o período de proteção (stay period).

“A exigência legal de restituição do bem ao credor fiduciário, ao final do stay period, encontrar-se-ia absolutamente frustrada, caso se pudesse conceber o crédito, cedido fiduciariamente, como sendo bem de capital”,

afirmou o ministro.
Bellizze explicou que a utilização do crédito garantido fiduciariamente, independentemente da finalidade, “além de desvirtuar a própria finalidade dos ‘bens de capital’, fulmina por completo a própria garantia fiduciária, chancelando, em última análise, a burla ao comando legal que, de modo expresso, exclui o credor, titular da propriedade fiduciária, dos efeitos da recuperação judicial”.

Natureza do direito

Para Bellizze, no caso analisado, a natureza do direito creditício sobre o qual recai a garantia fiduciária – “bem incorpóreo e fungível” –, faz com que ele não possa ser classificado como bem de capital.

Assim, segundo o relator, não se configurando como bem de capital os valores objeto do questionamento,

“afasta-se por completo, desse conceito, o crédito cedido fiduciariamente em garantia, como se dá, na hipótese dos autos, em relação à cessão fiduciária de créditos dados em garantia ao empréstimo tomado pela recuperanda”.

Isso porque, segundo Bellizze, por meio da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, o devedor fiduciante, a partir da contratação, cede “seus recebíveis” à instituição financeira, como garantia, o que permitiria à instituição financeira se apoderar diretamente do crédito ou receber o pagamento diretamente do terceiro.

Ao dar provimento ao recurso para restabelecer a trava bancária, o ministro destacou: “Pode-se concluir, in casu, não se estar diante de bem de capital, circunstância que, por expressa disposição legal, não autoriza o juízo da recuperação judicial obstar que o credor fiduciário satisfaça seu crédito diretamente com os devedores da recuperanda, no caso, por meio da denominada trava bancária”.

Leia o acórdão

REsp 1758746

 

Impenhorabilidade de bem de família deve prevalecer para imóvel em alienação fiduciária

Impenhorabilidade de bem de família

A regra da impenhorabilidade do bem de família, prevista na Lei 8.009/90, também abrange os imóveis em fase de aquisição, a exemplo daqueles objeto de compromisso de compra e venda ou de financiamento para fins de moradia, sob pena de impedir que o devedor adquira o bem necessário à habitação do seu grupo familiar.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a devolução de processo ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a fim de que a corte analise a presença dos demais requisitos legais para o reconhecimento de um imóvel alienado como bem de família. O tribunal paulista havia afastado a alegação de impenhorabilidade do bem, mas o acórdão foi reformado de forma unânime pela turma.

O recurso especial teve origem em exceção de pré-executividade apresentada sob a alegação de ilegitimidade ativa da parte para promover a execução dos títulos, além da impossibilidade de penhora dos direitos sobre bem de família.

A impugnação foi rejeitada pelo juiz de primeiro grau, que entendeu ser possível a penhora de imóvel dado em alienação fiduciária, já que, se o próprio devedor nomeia o imóvel para garantir a obrigação assumida, não pode considerá-lo impenhorável.

O TJSP manteve a decisão por concluir que a penhora não recaiu sobre a propriedade do imóvel, mas somente sobre os direitos obrigacionais que o devedor possui em relação a ele, ficando assegurado ao credor fiduciário o domínio do bem.

Extensão da proteção

O relator do recurso especial do devedor, ministro Villas Bôas Cueva, apontou jurisprudência do STJ no sentido da impossibilidade de penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, tendo em vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário. Contudo, afirmou que é permitida a penhora dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária.

“Todavia, a hipótese dos autos distingue-se dos casos já apreciados por esta Corte Superior porque está fundada na possibilidade, ou não, de estender eventual proteção dada ao bem de família legal sobre o direito que o devedor fiduciante tem sobre o imóvel alienado fiduciariamente e utilizado para sua moradia”,

disse o ministro.
Villas Bôas Cueva ressaltou que, para a aplicação da regra de impenhorabilidade do bem de família, exige-se, em regra, que a propriedade pertença ao casal ou à entidade familiar, pois a Lei 8.009/90 utiliza o termo “imóvel residencial próprio”. Por consequência, se o imóvel submetido à constrição pertence a terceiro não integrante do grupo familiar, não poderia ser invocada, em tese, a proteção legal.

Segundo o relator, a definição que representa melhor o objetivo legal consiste em compreender que a expressão “imóvel residencial próprio” engloba a posse oriunda de contrato celebrado com a finalidade de transmissão da propriedade, a exemplo do compromisso de compra e venda ou de financiamento de imóvel para fins de moradia.

“No caso, trata-se de contrato de alienação fiduciária em garantia, no qual, havendo a quitação integral da dívida, o devedor fiduciante consolidará a propriedade para si (artigo 25, caput, da Lei 9.514/97). Assim, havendo a expectativa da aquisição do domínio, deve prevalecer a regra de impenhorabilidade”,

concluiu o ministro ao determinar o retorno dos autos ao TJSP.

Leia o acórdão.

REsp 1677079

 

Seguradora deve arcar com conserto em oficina à escolha do cliente, no limite do orçamento aprovado

Seguradora deve arcar com conserto em oficina

Se o segurado efetua o reparo do veículo em oficina cujo orçamento havia sido recusado pela seguradora e assina um termo de cessão de créditos, a seguradora tem a obrigação de ressarcir a oficina pelas despesas, nos limites do orçamento aprovado por ela.A conclusão foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso da Mapfre Seguros. A turma reduziu o valor que a seguradora terá de pagar a uma oficina ao montante do orçamento aprovado por ela, descontados os valores referentes à franquia, os quais já foram pagos diretamente pelo segurado.

No caso analisado, o segurado fez os reparos do veículo em oficina cujo orçamento de R$ 4.400 havia sido recusado pela seguradora, a qual autorizou o conserto no valor máximo de R$ R$ 3.068.

O cliente pagou o valor referente à franquia (R$ 1.317) e assinou um documento para que a oficina tivesse o direito de cobrar o restante da seguradora.

O relator do caso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que, apesar da negativa da seguradora, os serviços foram prestados, o segurado pagou a franquia e firmou um termo para que a oficina pudesse cobrar da companhia de seguros a diferença de valores.

Direito creditório

As instâncias ordinárias entenderam que não houve sub-rogação convencional, tratando-se, na realidade, de mera cessão de crédito. O ministro afirmou que a oficina apenas prestou os serviços ao cliente, “ou seja, não pagou nenhuma dívida dele para se sub-rogar em seus direitos”. Segundo o relator, houve cessão de crédito, nos termos do artigo 286 do Código Civil.

“Verifica-se, assim, que o termo firmado entre a oficina e o segurado se enquadra, de fato, como uma cessão de crédito, visto que este, na ocorrência do sinistro, possui direito creditório decorrente da apólice securitária, mas tal direito é transmissível pelo valor incontroverso, qual seja, o valor do orçamento aprovado pela seguradora”,

afirmou.
No caso, o valor incontroverso a ser pago pela seguradora à oficina é o valor autorizado para o conserto (R$ 3.068), menos o montante já pago pelo segurado a título de franquia (R$ 1.317).

Escolha livre

Villas Bôas Cueva citou norma da Superintendência de Seguros Privados (Susep) que garante expressamente a livre escolha de oficinas pelos segurados. Segundo o ministro, essa livre escolha não subtrai da seguradora o poder de avaliar o estado do bem sinistrado, e também o orçamento apresentado.

“Assim, ressalvados os casos de má-fé, o conserto do automóvel é feito conforme o orçamento aprovado, nos termos da autorização da seguradora”,

disse o relator.

O ministro lembrou que as seguradoras comumente oferecem benefícios especiais para o uso da rede de credenciadas, mas é direito do segurado escolher a empresa na qual o veículo será reparado, já que poderá preferir uma de sua confiança.

Leia o acórdão.

REsp 1336781

 

Construtora pode incluir patrimônio de afetação em recuperação judicial

Construtora pode incluir patrimônio de afetação

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) permitiu a uma construtora em recuperação judicial incluir no seu processo todos os credores referentes a um empreendimento com patrimônio de afetação. Isso significa que a devedora vai poder negociar, por exemplo, com o banco que financiou a obra – o que, segundo advogados, não é comum nas decisões sobre o tema.

Ela terá, para isso, que elaborar um plano de pagamento exclusivo para a sociedade de propósito específico (SPE) que foi criada para a construção do empreendimento. Deverá ser realizada uma assembleia de credores separada e o plano terá de ser aprovado de forma independente. Além disso, os ativos dessa obra só poderão ser direcionados a esses credores.

Isso quer dizer que o processo da SPE criada para a construção do empreendimento não poderá se confundir com o das outras empresas, do mesmo grupo econômico, que estão em recuperação judicial (apesar de a tramitação ocorrer em litisconsórcio).

O chamado patrimônio de afetação foi instituído em 2004, pela Lei nº 10.931, como consequência do fenômeno Encol – uma das maiores construtoras do país, que quebrou no fim da década de 90, deixando obras inacabadas e mais de 40 mil clientes a ver navios. A legislação foi criada com a intenção de proteger o consumidor.

Por isso há tanta discussão, no meio jurídico, sobre a possibilidade de as empresas que têm o patrimônio de afetação entrarem em recuperação judicial. A lei prevê, basicamente, que os ativos do empreendimento não podem ser usados pelo incorporador para outros fins – que não o próprio empreendimento – até a conclusão da obra e o cumprimento de todas as obrigações (entrega das unidades e pagamento da instituição financiadora, por exemplo).

Os recursos desse empreendimento, então, não podem servir para o custeio de outras construções capitaneadas pela mesma incorporada. E, da mesma forma, não pode esse empreendimento ser atingido por credores da incorporadora caso ela passe por dificuldade financeira – os efeitos da falência, por exemplo, não atingem os patrimônios de afetação que foram constituídos pelo incorporador.
Para os desembargadores do Distrito Federal que julgaram o caso, no entanto, não haverá confusão patrimonial – e a exigência prevista na lei, sobre a segregação do patrimônio, estará sendo cumprida – se houver um plano de recuperação específico à SPE.

“A decisão não coloca em risco o chamado patrimônio de afetação, ao contrário, confere a incomunicabilidade e autonomia do patrimônio afetado”,

afirma em seu voto a relatora, desembargadora Fátima Rafael.
O entendimento dela, ainda, é o de que não seria razoável impedir tal processo de recuperação só para garantir que o banco receba os valores aos quais têm direito nas datas acordadas. A relatora cita, na decisão, a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O dispositivo estabelece que a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro não tem eficácia perante os adquirentes dos imóveis.

A súmula se aplica, segundo a interpretação da desembargadora, porque o caso em análise envolve uma empresa que não está em boas condições financeiras e que pode se reorganizar em uma recuperação judicial, entregar as unidades habitacionais aos consumidores e com os valores recebidos quitar a dívida com a instituição financeira.

O voto da relatora foi seguido, de forma unânime, pelos demais desembargadores que julgaram o caso na 3ª Turma Cível do TJ-DF (processo nº 0705074-95.2018.8. 07.0000) e permitirá que a empresa negocie, dentro da recuperação judicial, com o banco que financiou o empreendimento e também com os fornecedores da obra.

“Esse patrimônio vai servir para pagar dívidas exclusivas à incorporação”,

diz a representante da companhia no caso, a advogada Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados Associados. O que não estiver relacionado à obra, segundo ela, mesmo que correspondente à SPE, não entra nessa conta. Por exemplo, um empréstimo para custear as ações de marketing.

O patrimônio de afetação não é uma obrigação do incorporador. Ele pode escolher entre um empreendimento com ou sem.

“Existem muitos desse tipo no mercado porque há um incentivo do governo federal para isso”,

contextualiza Alberto Zurcher, sócio do ZRDF Advogados.

“Os tributos que incidem sobre a venda das unidades, que é de 6,73%, cai a 4%”,

acrescenta.

Quando entrou em processo de recuperação judicial, a PDG, uma das maiores construtoras do país, por exemplo, tinha mais de 30 empreendimentos com afetação. A empresa chegou a elaborar um plano de pagamento para cada uma delas – aos moldes do que decidiu o TJ-DF – mas após negociação com os bancos, optou por deixar as SPEs com o patrimônio de afetação de fora do processo. A contrapartida dos bancos, para isso, seria manter o financiamento das obras.

Uma das precursoras dessa discussão, no entanto, foi a Viver Incorporadora e Construtora. A companhia tentou, em um primeiro momento, apresentar um plano único de recuperação para todas as suas empresas – entre elas 16 SPEs com patrimônio de afetação. Desembargadores da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) avaliaram, porém, que o patrimônio afetado sequer poderia ser levado à recuperação.

Ainda não há, no entanto, uma jurisprudência firmada sobre o assunto e especialistas na área acreditam em uma tendência de flexibilização – aos moldes do que ocorreu no julgamento do TJ-DF.

“É preciso possibilitar à construtora a recuperação das suas atividades. Se o patrimônio de afetação estiver sendo respeitado, como prevê o plano único, não há argumentos para não permitir”,

entende o advogado Paulo Palermo, do escritório Palermo e Castelo.

As construtoras, ele diz, precisam de financiamento para a obra porque os adquirentes não arcam com cem por cento do contrato durante o período de construção.

“Só que quando a empresa passa por dificuldades financeiras e deixa de pagar ao banco, ele para de liberar o dinheiro e a obra acaba parando”,

contextualiza. Isso não significa, segundo o advogado, que o empreendimento seja deficitário por si só.

“O que existe é uma necessidade de financiamento. E é por isso que a recuperação judicial casa como uma luva para esses casos. Dá fôlego para a construtora terminar o empreendimento”,

completa Palermo.

 

Falta de averbação de cláusula de vigência em locação pode levar à rescisão do contrato no caso de venda do imóvel

Falta de averbação de cláusula

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e declarou rescindido contrato de locação comercial dotado de cláusula de vigência que não foi averbada em cartório antes da alienação do imóvel.

Para o colegiado, é preciso que o contrato de locação esteja averbado na matrícula do imóvel, não sendo suficiente o conhecimento do adquirente acerca de sua existência para que o locatário esteja protegido em caso de alienação.

No caso em análise, duas lojas foram alugadas em um shopping center no Rio de Janeiro pelo prazo de dez anos. Amparado no longo prazo da locação e na existência de cláusula de vigência em caso de alienação das lojas, o locatário decidiu construir dois teatros, com capacidade para 300 e 480 pessoas.

O shopping foi vendido, e o comprador decidiu rescindir o contrato com o administrador dos teatros alegando que, mesmo constando da escritura definitiva de compra e venda a informação de que as lojas estavam locadas, não tinha conhecimento da existência de cláusula de vigência em caso de alienação, especialmente por não fazer parte desse ajuste.

O TJRJ entendeu que a ação de despejo proposta pelo adquirente do shopping era inválida, pois o registro da cláusula de vigência pode ser substituído por qualquer outro instrumento de ciência inequívoca, como o próprio contrato de compra e venda.

Ciência insuficiente

De acordo com o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, a lei de locações (Lei 8.245/91) exige, para que a alienação do imóvel não interrompa a locação, que o contrato seja por prazo determinado, haja cláusula de vigência e que o ajuste esteja averbado na matrícula do imóvel.

Ele afirmou que, no caso, a manutenção do contrato de locação de imóvel que foi alienado a terceiro dependia da prévia averbação do contrato de aluguel na matrícula do imóvel.

“Na hipótese dos autos, não há como opor a cláusula de vigência à adquirente do shopping center. Apesar de, no contrato de compra e venda, haver cláusula dispondo que a adquirente se sub-rogaria nas obrigações do locador nos inúmeros contratos de locação, não há referência à existência de cláusula de vigência, muito menos ao fato de que o comprador respeitaria a locação até o termo final”,

explicou.
A turma decidiu, por unanimidade, que, ausente a averbação do contrato de aluguel na matrícula do imóvel, não é possível impor restrição ao direito de propriedade e afastar disposição expressa de lei, obrigando o adquirente do shopping a respeitar a cláusula de vigência da locação.

Leia o acórdão.

REsp 1669612

 

Segundo decisão, fim do imposto sindical é constitucional e moderniza legislação

fim do imposto sindical

Em decisão recente, a 9ª Turma do TRT reconheceu que a regra da reforma trabalhista que declarou o fim da contribuição sindical obrigatória é constitucional. Além disso: no entendimento da Turma, a alteração legislativa, nesse aspecto, modernizou a legislação sindical, conformando-a ao princípio constitucional da livre associação profissional ou sindical, segundo o qual ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato. (artigo 8º da CR/88).

O caso – A ação foi ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Varginha e Região Sul de Minas, pela Federação Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação, Panificação, Confeitarias e Massas Alimentícias do Estado de Minas Gerais e, também, pela Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação da CUT- (CONTAC/CUT), contra a empresa Stockler Comercial e Exportadora Ltda. Os sindicatos pretendiam receber da ré a contribuição sindical, alegando a inconstitucionalidade da Lei 13.467/2017, que declarou o fim da obrigatoriedade do recolhimento do tributo. Mas os pedidos foram rejeitados em primeiro grau e a sentença foi mantida pela Turma revisora, que julgou desfavoravelmente o recurso apresentado pelos entes sindicais, no aspecto. O juiz de primeira instância ainda havia condenado os sindicatos ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, o que também foi mantido pela Turma, que, entretanto, considerou elevado o valor de 15% do valor da causa (40 mil reais) fixado na sentença, reduzindo-os para 5%, “dada a relativa simplicidade do tema”, acolhendo parcialmente o recurso, nesse ponto.
Constitucionalidade – Os sindicatos afirmaram que a Lei nº 13.467/2017, mais conhecida como reforma trabalhista, transformou tributo obrigatório em facultativo, o que ofenderia a Constituição Federal e também o Código Tributário Nacional. Mas, segundo o relator, desembargador Ricardo Antônio Mohallem, cujo voto foi acolhido pela Turma, a tese apresentada pelos autores da ação é equivocada:

“O fenômeno jurídico não foi a transformação de um tributo em outro, mas sua respectiva extinção, acompanhada da expressa autorização legal de seu pagamento voluntário por integrante da categoria”,

destacou o julgador.
A decisão registrou que não houve violação à Constituição ou ao Código Tributário Nacional, tendo em vista que a contribuição sindical facultativa, introduzida na CLT pela Lei nº 13.467/2017, não tem natureza tributária. Inclusive, nas palavras do relator,

“a extinção de tributos pelo legislador é permitida e, em certos casos, até desejável”.

Ele explicou que essa extinção, em geral, é implementada por lei ordinária, como ocorreu com a contribuição sindical obrigatória (art. 8º, IV, da Constituição). Prova disso, acrescentou, é que, na época de sua vigência, as regras sobre esse tributo já sofreram inúmeras alterações por parte do legislador ordinário, conforme demonstra, por exemplo, da Lei nº 11.648/2008.

Na visão do desembargador, seguida pela Turma revisora, “a alteração legislativa modernizou a legislação sindical, conformando-a aos ditames constitucionais da liberdade sindical, tendo em vista que o artigo 8º da Constituição garante a livre a associação profissional ou sindical, inclusive dispondo, no seu item V, que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”. O relator também lembrou que, recentemente, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 5.794, declarou a constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória.

Conforme constou da decisão, a Lei nº 13.467/2017 não violou os princípios constitucionais da isonomia e da solidariedade. Isso porque, de acordo com o relator, o caráter obrigatório da contribuição sindical resultava em isonomia meramente formal e em “solidariedade” contrária à sua própria natureza, imposta pelo Estado. E completou:

“A isonomia e a solidariedade verdadeira, que pressupõe a espontaneidade, previstas em relação ao Direito Sindical Constitucional, surgirão, por força da nova legislação, da necessidade de uma atuação efetiva dos entes sindicais em prol da união da categoria”.

E mais, para o relator, com a extinção da contribuição sindical obrigatória, os deveres legais dos sindicatos terão maiores chances de serem implementados, ou, então,

“haverá a extinção própria categoria econômica, mesmo porque, na omissão do ente sindical, ela perderá o sentido de existir”,

pontuou.

Por fim, o desembargador frisou que os sindicatos nem mesmo comprovaram suas alegações de ausência de previsão do impacto orçamentário decorrente da extinção do tributo, o que, de toda forma, não levaria à inconstitucionalidade da Lei nº 13.467/2017. “Não há inconstitucionalidade e, portanto, obrigatoriedade do recolhimento de contribuição sindical por parte da ré”, finalizou o relator, mantendo a sentença recorrida.

Justiça gratuita e honorários advocatícios – No entendimento da Turma, não é possível isentar os entes sindicais das custas e honorários advocatícios com suporte na Lei da Ação Civil Pública, como pretendido pelos sindicatos autores, já que não é esta a natureza da demanda, uma ação de cobrança de contribuição sindical.

Foi ressaltado na decisão que, no Processo do Trabalho, a gratuidade da justiça é direcionada eminentemente ao trabalhador, como se concluiu da interpretação do artigo 5º, LXXIV da CF, conjugado à Lei 1.060/1950, à Lei 5.584/1970 e ao 790, § 3º, da CLT. Além disso, o caráter protetivo do Direito do Trabalho se amolda ao entendimento de que os benefícios da gratuidade da justiça se destinam ao empregado.

“Esta é a melhor interpretação dos textos legais”,

pontuou o relator, acrescentando que a simples condição de ente protetor dos interesses do trabalhador não autoriza a extensão do benefício aos sindicatos, nos termos, inclusive, da Orientação Jurisprudencial nº 5 das Turmas do TRT mineiro. No caso, como os sindicatos autores não demonstraram a impossibilidade de arcarem com as despesas processuais, nos termos da Súmula nº 481 do STJ e do art. 790, § 4º, da CLT, não cabendo isentá-los do pagamentos das custas. Foi como concluiu o relator, no que também foi acompanhado pela Turma revisora.

Por fim, tendo em vista que a sucumbência dos sindicatos e por se tratar de ação proposta em 07/03/2018, ou seja, na vigência da Lei nº 13.467/2017, foi mantida a condenação dos sindicatos quanto ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais. Mas a Turma considerou excessivo o valor dos honorários fixados na sentença em 15% do valor da causa, reduzindo-os para 5%, baseando-se nos critérios previstos no art. 791-A da CLT, em virtude da “relativa simplicidade do tema”.

 

Vínculo paterno-filial afetivo supera ausência de vínculo biológico e impede mudança de registro

Vínculo paterno-filial afetivo

A paternidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade registral nos casos de erro substancial apto a autorizar a retificação do registro civil de nascimento. O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o caso de um homem que ajuizou ação de retificação de registro civil cumulada com pedido de exoneração de alimentos em face de seus dois filhos registrais.

Segundo os autos, no caso do primeiro filho, o homem o registrou espontaneamente após iniciar um relacionamento com a mãe, mesmo sabendo não ser o pai biológico.

Já a segunda criança, ele a registrou acreditando ser sua filha biológica, e teve com ela relação afetiva até os 13 anos, quando, suspeitando de infidelidade da mulher, ajuizou a ação para retificação do registro civil, que comprovou, após sua morte, por exame de DNA, a inexistência de vínculo biológico.

Já a segunda criança, ele a registrou acreditando ser sua filha biológica, e teve com ela relação afetiva até os 13 anos, quando, suspeitando de infidelidade da mulher, ajuizou ação para retificação do registro civil. Após a morte do pai registral, foi comprovada por exame de DNA a inexistência do vínculo biológico.

Instâncias ordinárias

Na primeira instância, o juiz considerou procedentes os pedidos do autor. Na apelação, a sentença foi reformada sob o fundamento de que o ato praticado no registro do primeiro filho é irrevogável, pois o pai agiu de livre vontade. Já em relação ao outro filho, foi considerado preponderante o vínculo afetivo consolidado ao longo do tempo.

Houve a interposição de embargos infringentes, acolhidos pelo tribunal de segunda instância para autorizar a retificação do registro civil dos dois filhos.

Direitos da personalidade

No STJ, a ministra relatora do caso, Nancy Andrighi, manteve inalterados os documentos de registro e ressaltou que a presença de vínculo afetivo supera a falta de vínculo biológico nas situações em que o autor da ação tenha interesse em retificar a certidão de nascimento puramente por não se verificar a relação genética que ele imaginava existir.

Para a magistrada, torna-se necessário, nesse tipo de caso, “tutelar adequadamente os direitos da personalidade” do filho que conviveu durante certo período com o genitor e consolidou nele a representação da figura paterna, não podendo simplesmente agora “ver apagadas as suas memórias e os seus registros”.

Nancy Andrighi disse que o registro civil de uma criança, realizado com a convicção de que havia vínculo biológico, o qual depois foi afastado pelo exame de DNA, “configura erro substancial apto a, em tese, modificar o registro de nascimento, desde que inexista paternidade socioafetiva, que prepondera sobre a paternidade registral em atenção à adequada tutela dos direitos da personalidade”.
Sobre o caso em julgamento, ela afirmou que,

“a despeito do erro por ocasião do registro, houve a suficiente demonstração de que o genitor e a filha mantiveram relação afetuosa e amorosa, convivendo, em ambiente familiar, por longo período de tempo, inviabilizando a pretendida modificação do registro de nascimento”.

Registro consciente

No caso do filho registrado com consciência da ausência do vínculo biológico, a relatora destacou que, conforme determinação legal, o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável.

“Ocorre que o reconhecimento dos filhos não é, nem tampouco pode ser, um ato jurídico anulável ou modificável por simples influências externas ou por mera liberalidade dos pais, não se submetendo, evidentemente, aos sabores ou aos dissabores dos relacionamentos dos genitores”,

afirmou a relatora.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

 

Direito real de habitação de cônjuge sobrevivente não depende da inexistência de outros bens no patrimônio próprio

Direito real de habitação de cônjuge

O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente no imóvel do casal, bem como nos termos do artigo 1.831 do Código Civil, é garantido independentemente de ele possuir outros bens em seu patrimônio pessoal.Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a um recurso que questionava o direito com a justificativa de que o cônjuge dispõe de outros imóveis.

Para o ministro Villas Bôas Cueva, relator do caso no STJ, a única condição que o legislador impôs para assegurar ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação é que o imóvel destinado à residência do casal fosse o único daquela natureza a inventariar.

“Nenhum dos mencionados dispositivos legais impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente”,

fundamentou.

Exigência controvertida

O relator citou entendimento da Quarta Turma do tribunal no sentido de que o direito real de habitação é conferido em lei independentemente de o cônjuge ou companheiro sobrevivente ser proprietário de outros imóveis.

Villas Bôas Cueva destacou que a parte final do artigo 1.831 faz referência à necessidade de que o imóvel seja “o único daquela natureza a inventariar”, mas mesmo essa exigência não é interpretada de forma literal pela jurisprudência.

“Nota-se que até mesmo essa exigência legal – inexistência de outros bens imóveis residenciais no acervo hereditário – é amplamente controvertida em sede doutrinária. Daí porque esta corte, em pelo menos uma oportunidade, já afastou a literalidade de tal regra”,

disse ele.

Vínculo afetivo

O objetivo da lei, segundo o ministro, é permitir que o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar em que residia ao tempo da abertura da sucessão, como forma de concretizar o direito à moradia e também por razões de ordem humanitária e social, “já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar”.

O relator afirmou que a legislação protege interesses mínimos de quem vive momento de “inconteste abalo” resultante da morte do cônjuge ou companheiro.

Leia o acórdão.

REsp 1582178

 

Estatuto do Idoso completa 15 anos e vários processos sobre o tema foram julgados pelo STF no período

Estatuto do Idoso completa 15 anos
Nesta segunda-feira (1º), o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) completou 15 anos de sua promulgação. Ao apreciar a validade de dispositivos da norma e o alcance de princípios nela previstos, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve participação na consolidação de direitos assegurados aos idosos no Brasil. Entre os temas apreciados pela Corte estão a gratuidade em ônibus urbanos e interestaduais, a não aplicação de benefícios penais a autores de crime contra idosos e a questão referente ao valor de benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). A data de promulgação da lei coincide com o Dia Internacional do Idoso, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em alusão à Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, então realizada em 1982 na Áustria. A lei considera idoso o cidadão com idade a partir de 60 anos e visa garantir direitos a essa parcela cada vez maior da população brasileira.

O artigo 3º do estatuto estabelece como obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Entre os exemplos de direitos e garantias, a lei garante ao idoso prioridade no atendimento em órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população, na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas, no recebimento da restituição do imposto de renda e na tramitação de processos na Justiça.

O estatuto também protege os idosos de todas as formas de discriminação, maus tratos e de abandono. Condutas como discriminar, deixar de prestar assistência, abandonar o idoso em casas de saúde ou não prover suas necessidades básicas, entre outras, foram tipificadas como crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público pode agir independentemente de representação da vítima.

A seguir estão as principais decisões colegiadas em que a Corte analisou pontos do Estatuto do Idoso.

Assistência Social

Em abril de 2013, o STF julgou inconstitucional o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei 8.742/1993), que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. O Plenário considerou o critério defasado para caracterizar a situação de miserabilidade e também declarou inconstitucional o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (que faz referência à LOAS). A decisão foi tomada no julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) 567985 e 580963, ambos com repercussão geral.

Transporte interestadual

Em fevereiro de 2010, o Plenário confirmou decisão da Presidência da Corte que assegurou a gratuidade do transporte de idosos em ônibus interestaduais. Ao negarem provimento a agravo regimental na Suspensão da Segurança (SS) 3052, ajuizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os ministros mantiveram suspensa decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que havia afastado a gratuidade das passagens até que uma ação contra o artigo 40 do Estatuto, ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas de Transportes Terrestres de Passageiros (Abrati), tivesse seu mérito julgado pela Justiça Federal.

Juizados Especiais e crimes contra idosos

Também em 2010, o Plenário concluiu o julgamento em que se discutia se os autores de crimes contra idosos teriam direito a benefícios como conciliação ou transação penal. A questão foi tratada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3096, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República contra o artigo 94 do Estatuto do Idoso, que determina a aplicação dos procedimentos e dos benefícios relativos aos Juizados Especiais aos crimes cometidos contra idosos cuja pena máxima não ultrapasse quatro anos.

O entendimento foi de que o dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu específico destinatário – o próprio idoso –, e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, os infratores não devem ter acesso a benefícios despenalizadores de direito penal, como conciliação, transação penal, composição civil de danos ou conversão da pena. Somente se aplicam as normas estritamente processuais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso.

Transporte urbano

Em 2006, o Plenário manteve a gratuidade do transporte coletivo urbano prevista no Estatuto do Idoso e na Constituição. Por maioria, o Tribunal julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3768, que questionava o caput do artigo 39 do estatuto. Além de prevalecer o entendimento que considerou autoaplicável o artigo 230 da Constituição, que assegura o amparo ao idoso e o acesso ao transporte urbano gratuito.

Planos de saúde

O Plenário Virtual do STF reconheceu a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 630852, no qual se discute a aplicação do Estatuto do Idoso aos contratos de planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da lei. Portanto recurso foi interposto pela Cooperativa de Serviços de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo Ltda. (Unimed) e aguarda julgamento pelo Plenário físico do STF.

 

TJSP Autoriza empresa em recuperação a comprar insumo com crédito de ICMS

tjsp autoriza empresa
O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP autoriza empresa em recuperação judicial usar créditos acumulados de ICMS para a aquisição de matéria-prima e outros insumos de forma livre – mesmo que tenha dívidas com o Estado. A decisão, da 2ª Câmara de Direito Empresarial, beneficia a Vitapelli, uma das maiores do mundo do setor de curtume.O entendimento é importante para as companhias do agronegócio, segundo advogados, porque a Fazenda impõe que 50% dos créditos acumulados sejam direcionados ao pagamento de débitos fiscais. Somente o remanescente, então, é que poderia ser usado para outros fins.Em recuperação judicial desde 2010, a Vitapelli obteve, com a decisão, a liberação de créditos de ICMS gerados entre maio de 2010 e dezembro de 2011 e também de janeiro a outubro de 2012.

Um dos argumentos do Fisco para impedir a liberação era a de que tratava-se de uma devedora contumaz e que se valia do processo de recuperação para não pagar seus débitos. A companhia, segundo afirma no processo, acumula cerca de R$ 300 milhões em dívidas decorrentes de autos de infração e aplicação de multas.

Alegava ainda que mesmo se pudesse utilizar tais créditos, não poderia ser em sua totalidade. Isso por força do Decreto nº 61.907, do ano de 2016, que obriga os setores de carnes e derivados e de couros a destinar 50% para o pagamento de débitos fiscais. Ou seja, somente a metade é que poderia ser usada para a aquisição de matéria-prima e outros bens.

Os desembargadores que julgaram o caso entenderam, no entanto, que a Fazenda não conseguiu provar qualquer tipo de fraude por parte do contribuinte que justificasse o bloqueio dos créditos e ponderaram que o Estado não tem a faculdade de impedir a companhia de usá-los. Especialmente em um processo de recuperação judicial, cuja a utilização de tais créditos interessa não somente à companhia, mas a todos os seus credores.
Sobre a limitação do 50%, eles observaram que não atingiria “as situações de aproveitamento e creditamentos anteriores à sua promulgação”, como tratava o caso em análise.

“Deve prevalecer, no princípio da irretroatividade da norma tributária, a regra então vigente, salvo se a mais recente for a mais benéfica ao contribuinte, o que não é o caso dos autos”,

afirmou o relator, desembargador Ricardo Negrão, no voto (agravo de instrumento nº 2010460-22.2017.8. 26.0000).
A companhia já havia obtido decisão favorável na primeira instância. Quando analisou o caso, o juiz Silas Silva Santos, da 2ª Vara Cível de Presidente Prudente, foi bastante combativo à postura que vinha sendo adotada pelo Fisco – por tratar a recuperação, na visão do magistrado, como um plano para não pagar tributos e por questionar o aumento dos créditos acumulados no período.

“A recuperação foi feita para quê? Para recuperar ou para gerar a quebra? Verifico que, na lógica da FESP [Fazenda do Estado de São Paulo], toda recuperação que der certo constitui sinal de fraude”,

disse na ocasião.

Para Leo Lopes, sócio do contencioso tributário do FAS Advogados, esse caso é uma demonstração do embate cada vez mais frequente entre Fisco e empresas em recuperação judicial.

“Há uma postura litigiosa por parte da Fazenda. Ela não participa do processo de recuperação, não oferece descontos nem qualquer dilação de prazo para o pagamento, mas quer que os seus créditos sejam priorizados”,

observa.

A Vitapelli acumula um volume grande de créditos de ICMS por causa das operações de exportação. Quando a venda é interna, há incidência de tributos no momento da compra da matéria-prima (o que gera crédito) e na venda da mercadoria (o que gera débito). Nas operações de exportação, no entanto, existe a tributação quando a empresa compra do fornecedor, mas não quando vende para o exterior. Trata-se de uma garantia constitucional e, por esse motivo, existe o acúmulo.

A permissão para que as empresas utilizem tais créditos para a compra de matéria-prima e outros bens está prevista na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96) e na legislação de São Paulo de nº 6.374, também do ano de 1996.

“É salutar para a balança comercial. Precisamos disso porque a nossa carga tributária é tão elevada que impede as empresas de serem competitivas no exterior”,

diz o advogado José Francisco Galindo Medina, que representou a empresa no caso.

“Impor obstáculos ao acesso desses créditos faz com que as empresas precisem todos os meses se descapitalizar para fazer frente à carga tributária”,

acrescenta. O impacto, no caso da Vitapelli, segundo o advogado, é de cerca de R$ 1,5 milhão por mês.

Apesar de a decisão do TJ-SP tratar especificamente de uma empresa em processo de recuperação judicial e específica do setor de agronegócio, os advogados Luís Alexandre Barbosa e Denis Araki, do escritório LBMF, chamam a atenção que tem importância também aos contribuintes que não estão nessa situação.

“Os desembargadores estão dizendo que o contribuinte não pode ser surpreendido por uma nova regra. Permitir a aplicação de um decreto que restringe direitos a um período anterior a sua publicação violaria qualquer segurança jurídica”,

diz Barbosa.

A Procuradoria de Assuntos Tributários do Estado de São Paulo tratou a disputa contra a Vitapelli, no entanto, como

“pontual, baseada em fatos bastante circunscritos”,

e afirmou, por meio de nota, que “não há repercussão fora do próprio caso”.

“As normas sobre utilização de crédito acumulado foram alteradas em 2016 e a decisão, no final das contas, envolve questões intertemporais, para determinar a regra aplicável a créditos acumulados antigos do contribuinte”,

acrescentou no texto.

Considerou ainda que não há uma litigiosidade exagerada sobre essa questão.

“É normal para caso antigo de devedor contumaz e em recuperação judicial”,

finalizou.

 

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