Aluguéis não são devidos a partir do incêndio que destrói imóvel

Aluguéis não são devidos

A destruição de um imóvel alugado implica a automática extinção do contrato de locação e, em consequência, impede que os aluguéis continuem a ser cobrados. Em tais casos, a entrega das chaves tempos após o incêndio não interfere no marco temporal para a cobrança de aluguéis.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma locatária e restabeleceu a sentença que julgou extinta a ação movida pelo locador para cobrar o período compreendido entre o incêndio que destruiu o imóvel e a entrega das chaves.

O imóvel, objeto de contrato de locação comercial, foi atingido por um incêndio em agosto de 2012. O locatário solicitou a extinção do contrato em janeiro de 2013, quando entregou as chaves.

O locador promoveu a execução para cobrar seis meses de aluguéis vencidos, além dos valores correspondentes a IPTU, taxas de água e esgoto e multa pela quebra do contrato.

Impróprio para locação

A sentença extinguiu a execução sob o entendimento de que o incêndio devastou o imóvel, tornando-o impróprio para locação, de modo que não poderia ser exigido o pagamento de aluguéis.

Ao analisar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento ao recurso por entender que a dívida era exigível porque somente a entrega das chaves liberaria o locatário da obrigação contratual.

No recurso ao STJ, o locatário afirmou que o imóvel foi imediatamente desocupado após o incêndio e que as chaves sempre estiveram à disposição do proprietário. Acrescentou que o perecimento da coisa locada por motivo de caso fortuito extinguiu automaticamente o contrato, não sendo possível imputar-lhe nenhuma responsabilidade, sob pena de ofensa ao artigo 393 do Código Civil de 2002.

Perecimento ou deterioração

O relator original do processo votou pela rejeição do recurso, aplicando, analogicamente, a regra do artigo 567 do CC/2002, segundo a qual, nos casos de deterioração do bem alugado sem culpa do locatário, cabe a este pedir a redução proporcional do aluguel ou resolver o contrato se o imóvel estiver inservível.

O ministro Moura Ribeiro – autor do voto que prevaleceu no julgamento – destacou que os conceitos de deterioração e perecimento não se confundem, já que a deterioração é a alteração do estado para pior, ao passo que o perecimento é a destruição ou extinção de alguma coisa. Ele lembrou que a sentença, após a análise das provas do processo, consignou que o incêndio devastou o imóvel, tornando-o impróprio para a locação.

“Admitindo-se que o imóvel foi completamente destruído, isto é, que houve o seu perecimento, não há como invocar a aplicação subsidiária do artigo 567 do CC/2002, criado para solucionar casos de deterioração.”
Segundo Moura Ribeiro, o impedimento não é meramente gramatical, uma vez que

“o próprio conteúdo normativo do dispositivo legal em comento também inviabiliza sua aplicação ao caso concreto”.

Fruição impossível

O ministro propôs a aplicação do princípio geral do direito segundo o qual a coisa perece para o dono (res perit domino), utilizando como fundamentação os artigos 77 e 78 do Código Civil de 1916 e do inciso IV do artigo 1.275 do atual código.

“O objeto do contrato de locação, como se sabe, não é exatamente a coisa ou o prédio locado, mas o uso ou a fruição que deles se faz. Nada obstante, o perecimento da coisa ou do prédio extingue a locação, porque não há mais possibilidade de cobrar aluguel pelo uso ou fruição de um bem que não mais existe ou que não mais se presta à locação”,

resumiu o ministro.

Moura Ribeiro ressaltou que, caso fique comprovado que o incêndio foi causado por culpa do locatário, o locador fará jus a perdas e danos, e não propriamente aos aluguéis. Ele afirmou que a distinção conceitual é importante, pois a ação de execução promovida pelo locador era específica para a cobrança de aluguéis, e não uma ação de conhecimento para pleitear perdas e danos.

REsp1707405

Terceira Turma decide reincluir dano moral coletivo em condenação por propaganda abusiva

Terceira Turma decide reincluir dano moral coletivo

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que, tendo reconhecido abuso no conteúdo de propaganda, havia isentado a responsável da compensação de danos morais coletivos.

Para o colegiado, como o TJSC reconheceu que o conteúdo veiculado foi reprovável, dispensar a responsável do pagamento do dano moral coletivo tornaria inepta a proteção jurídica à lesão de interesses transindividuais e permitiria a apropriação individual de vantagens decorrentes da lesão a interesses sociais.

Tema sensível

Na origem do caso, o Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação coletiva de consumo contra publicidade da revista Quatro Rodas veiculada em programa de rádio. De acordo com o MP, a publicidade era manifestamente abusiva, por tratar de tema moralmente sensível.
Segundo os autos, a propaganda reproduz o seguinte diálogo:

“– Oi, pai. – Fala, filhota. – Sabe o que é, pai, eu queria te pedir um favor. – O quê? – Posso trazer meu namorado para dormir em casa, passar a noite fazendo sexo selvagem e acordando a vizinhança toda? – Claro, filhota! – Aí, paizão, valeu! Sabia que você ia deixar. – Ufa! Achei que ela ia me pedir o carro!”

A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos do Ministério Público e, além de proibir a divulgação da publicidade, condenou a Editora Abril, responsável pela revista, a pagar danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil.

O TJSC, reconhecendo que houve abuso no conteúdo da publicidade, deu parcial provimento à apelação da editora, apenas para excluir da condenação o pagamento dos danos morais coletivos.

No recurso apresentado ao STJ, o MPSC alegou que a propaganda ofende bem jurídicos fundamentais, pois prioriza bens materiais em detrimento de valores essenciais. Argumentou ainda que a compensação por danos morais coletivos deve ter caráter punitivo, para impedir a reincidência.

Dano moral coletivo

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que os danos morais coletivos se configuram na própria prática ilícita, não exigem prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo.

Os danos morais coletivos, acrescentou, têm como função a repressão e a prevenção à prática de condutas lesivas à sociedade, além de representarem uma forma de reverter o benefício econômico obtido individualmente pelo causador do dano em favor de toda a coletividade.

“As lesões envolvidas no dano moral coletivo relacionam-se, ademais, a uma espécie autônoma e específica de bem jurídico extrapatrimonial, referente aos valores essenciais da sociedade”, de modo que “o dano moral coletivo trata, pois, da reparação da ofensa ao ordenamento jurídico como um todo e aos valores juridicamente protegidos que garantem a própria coexistência entre os indivíduos”, sendo, ademais, necessário para sua configuração que o dano se apresente

“como injusto e de real significância, usurpando a esfera jurídica de proteção à coletividade, em detrimento dos valores (interesses) fundamentais do seu acervo”,

ponderou a ministra.

A relatora ressaltou que a jurisprudência do STJ entende que, para configurar dano moral coletivo, o ato praticado deve ultrapassar os limites do individualismo, afetando, “por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais” (REsp 1.473.846).

Contradição

Segundo Nancy Andrighi, a decisão do TJSC deve ser revista por existir contradição na solução adotada pelo acórdão recorrido. Para ela, se a corte condenou a editora a não mais veicular a propaganda por entender que seu conteúdo vulnera de forma injustificada, injusta e intolerável os valores sociais, a revelar sua abusividade – nos termos do artigo 37, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor –, não é possível deixar de aplicar a função preventiva e pedagógica típica dos danos morais coletivos, sob pena de se permitir que ela se aproprie individualmente das vantagens decorrentes da indevida lesão de interesses transindividuais.

“Se o tribunal de origem concluiu pela reprovabilidade da propaganda questionada, em virtude de clara abusividade por ofensa a valores da sociedade – reconhecendo que seu conteúdo fomenta o privilégio a um bem material sobre comportamentos positivos na relação paterno-filial –, não poderia ter deixado de condenar a recorrida a compensar a sociedade pelos danos causados por essa conduta ilícita”,

explicou.

Leia o acórdão

REsp1655731

Filha será indenizada por abandono afetivo do pai

Filha será indenizada por abandono afetivo do pai

A 8ª Turma Cível manteve, por maioria, condenação de pai que abandonou afetivamente uma das filhas, por mais de 20 anos. O genitor terá que pagar indenização pelo tempo que se manteve ausente física, emocional e financeiramente da vida da descendente.A requerente entrou com uma ação de reparação de danos morais contra o pai com quem, segundo os autos, só teria tido contato aos dois anos de idade e, novamente, 14 anos mais tarde.

O pai recorreu da sentença inicial e teve o recurso negado, pois, segundo os julgadores, os chamados “órfãos de pais vivos” têm direito à reparação extrapatrimonial, aquela que segue a lógica jurídica do dano moral decorrente da morte efetiva dos pais das vítimas de ato ilícito.

Neste caso, o dano moral é presumido, in re ipsa, ou seja, quando a parte afetada tem sua honra, dignidade e moralidade lesada de forma objetiva e absoluta, não havendo, portanto, necessidade de apresentação de provas que demonstre essa ofensa sofrida.
O desembargador relator entendeu que

“não se pode exigir, judicialmente, desde os primeiros sinais do abandono, o cumprimento da “obrigação natural” do amor. Por tratar-se de uma obrigação natural, um juiz não pode obrigar um pai a amar uma filha”,

pontuou, na decisão.

“Mas não é só de amor que se trata quando o tema é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o abandono e o amor, o dever de cuidado. Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”, enfatizou

.

Direito e proteção

Negligenciar esse cuidado gera dano ao direito da personalidade do descendente. Além disso, a Constituição Federal prevê, entre outras coisas, os critérios de respeito à dignidade da pessoa humana, a obrigação da paternidade responsável e a proteção integral do interesse da criança. Dessa forma, o colegiado negou provimento ao recurso do genitor e manteve a condenação em R$ 50 mil reais, estipulada pelo juízo de 1ª instância.

“A indenização fixada na sentença não é absurda, nem desarrazoada, nem desproporcional. Tampouco é indevida, ilícita ou injusta. R$ 50 mil equivalem, no caso, a R$ 3,23 por dia e a R$ 3,23 por noite. Foram cerca de 7.749 dias e noites. Sim, quando o abandono é afetivo, a solidão dos dias não compreende a nostalgia das noites. Mesmo que nelas se possa sonhar, as noites podem ser piores do que os dias. Nelas, também há pesadelos”,

lembrou o desembargador. Além disso, reforçou que o objetivo da sentença não é obrigar os pais a amarem seus filhos, mas mitigar a falta de cuidado daqueles que têm o dever de prestá-lo.

O valor indenizatório, no caso de abandono afetivo, não pode ter por referência percentual adotado para fixação de pensão alimentícia, nem valor do salário mínimo ou índices econômicos. A indenização por dano moral não tem um parâmetro econômico absoluto ou uma tabela, mas representa uma estimativa feita pelo juiz sobre o que seria razoável, levando-se em conta, a condição econômica das partes, sem enriquecer, ilicitamente, o credor, e sem arruinar o devedor.

Processo: 20160610153899

Para Terceira Turma, convenção de condomínio não pode proibir genericamente a presença de animais

Para Terceira Turma convencao de condomínio não pode proibir

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a convenção de condomínio residencial não pode proibir de forma genérica a criação e a guarda de animais de qualquer espécie nas unidades autônomas, quando o animal não apresentar risco à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do local.

A decisão reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que havia entendido que as normas previstas na convenção e no regimento interno do condomínio incidem sobre todos os moradores, sendo que a proibição expressa da permanência de animais nas unidades autônomas se sobrepõe à vontade individual de cada condômino.

O recurso julgado no STJ teve origem em ação ajuizada por uma moradora de condomínio do Distrito Federal para ter o direito a criar sua gata de estimação no apartamento. Ela alegou que a gata, considerada um membro da família, não causa transtorno nas dependências do edifício.

No recurso especial, sustentou que a decisão do TJDF violou seu direito de propriedade, divergindo, inclusive, do entendimento externado por outros tribunais quando julgaram idêntica questão.

Alegou, ainda, ser descabida a proibição genérica de criação de animais, pois a vedação só se justifica nos casos em que for necessária para a preservação da saúde, da segurança e do sossego dos moradores.

Apreciação do Judiciário

Em seu voto, o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a convenção condominial, conforme previsto nos artigos 1.332, 1.333 e 1.344 do Código Civil (CC) de 2002, representa o exercício da autonomia privada, regulando, em um rol exemplificativo, as relações entre os condôminos, a forma de administração, a competência das assembleias e outros aspectos, com vistas a manter a convivência harmônica.

Entretanto, o relator ressaltou que as limitações previstas nas convenções são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário sob o aspecto da legalidade e da necessidade do respeito à função social da propriedade, de acordo com o artigo 5º, XXII, da Constituição Federal.

O magistrado também apontou a previsão do artigo 19 da Lei 4.591/1964, de acordo com o qual o condômino tem o direito de “usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos”.

Três situações

Segundo o relator, para determinar se a convenção condominial extrapolou os limites da propriedade privada, é importante observar três situações que podem surgir.

A primeira é o caso da convenção que não regula o tema. Nessa situação, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos artigos 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei 4.591/1964.

A segunda hipótese é a da convenção que proíbe a permanência de animais causadores de incômodos aos moradores, o que não apresenta nenhuma ilegalidade.

Por último, há a situação da convenção que veda a permanência de animais de qualquer espécie – circunstância que o ministro considera desarrazoada, visto que certos animais não trazem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio.

O colegiado, por unanimidade, seguiu o voto do relator e deu provimento ao recurso especial da autora, destacando que a procedência de seu pedido não a exonera de preservar a incolumidade dos demais moradores do local, de manter as condições de salubridade do ambiente e de impedir quaisquer atos de perturbação.

REsp1783076

Senado aprova fim de carência de planos de saúde para emergência

planos de saúde para emergência

Casos de urgência e emergência de beneficiários de planos de saúde podem ficar fora dos prazos de carência. A mudança está prevista no Projeto de Lei do Senado (PLS) 502/2017, aprovado na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) nesta quarta-feira (15). A iniciativa, da senadora Rose de Freitas (Pode-ES), também reduz para 120 dias o período de carência nas internações hospitalares.

Hoje a legislação define prazo de carência de 24 horas, para atendimentos de urgência e emergência; 300 dias, para parto; e 180 dias, para cirurgias. Apesar dos argumentos das operadoras de que a fixação de períodos de carência proteja as operadoras contra eventuais abusos e fraudes do consumidor, Rose argumenta que essa regra não pode inviabilizar o atendimento de saúde em circunstâncias excepcionais e imprevisíveis, que exijam solução imediata.

O relator, senador Mecias de Jesus (PRB-RR), considerou injustificável o plano de saúde não cobrir um problema de saúde que surja nas primeiras 24 horas do contrato e exija pronta intervenção médica.

“Retirar esse direito do usuário consumidor seria colocar em risco sua vida ou incolumidade física. Evidentemente, não se trata de permitir fraudes ao plano de saúde, que, no momento da contratação, poderá verificar se o potencial consumidor está em situação de urgência ou emergência previamente constituída”,

explicou.
Como foi aprovado em caráter terminativo, caso não haja recurso da decisão da CAS, o projeto seguirá direto para a Câmara dos Deputados.

Para Terceira Turma, é possível penhora de bem de família dado em garantia fiduciária

Não é permitido que o devedor ofereça como garantia um imóvel caracterizado como bem de família para depois alegar ao juízo que essa garantia não encontra respaldo legal, solicitando sua exclusão e invocando a impossibilidade de alienação.

A partir desse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de devedores que, após o oferecimento da própria residência como garantia fiduciária, alegaram em juízo que o bem não poderia ser admitido como garantia em virtude da proteção legal ao bem familiar.

Os proprietários do imóvel contrataram um financiamento com a Caixa Econômica Federal (CEF) e colocaram o bem como garantia. Posteriormente, buscaram a declaração de nulidade da alienação incidente sobre o imóvel, por se tratar de bem de família, pedindo que fosse reconhecida sua impenhorabilidade.

A sentença julgou o pedido dos devedores procedente, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) deu provimento à apelação da CEF por considerar que o princípio da boa-fé contratual impede a prática de atividades abusivas que venham a causar prejuízo às partes.

No recurso especial, os donos do imóvel alegaram que a exceção à regra de impenhorabilidade só tem aplicação nas hipóteses de hipoteca, e não na alienação fiduciária.

Ética e boa-fé

Segundo a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, a questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas luzes “quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais”.

Ela destacou que a Lei 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família, estabelece que o imóvel assim caracterizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, “mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário”.

De acordo com a ministra, a vontade do proprietário é soberana ao colocar o próprio bem de família como garantia.

“Não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável e, por conseguinte, que não possa ser alienado fiduciariamente por seu proprietário, se assim for de sua vontade, nos termos do artigo 22 da Lei 9.514/1997.”

Nancy Andrighi lembrou que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza, sendo inviável ofertar o bem em garantia para depois informar que tal garantia não encontra respaldo legal. A conduta, segundo a relatora, também não é aceitável devido à vedação ao comportamento contraditório, princípio do direito civil.

De acordo com a relatora, esse entendimento leva à conclusão de que, embora o bem de família seja impenhorável mesmo quando indicado à penhora pelo próprio devedor, a penhora não há de ser anulada “em caso de má-fé calcada em comportamentos contraditórios deste”.

Leia o acórdão

REsp 1560562

Testemunho perante igreja revela existência de bens penhoráveis em processo com trabalhador já falecido

bens penhoráveis

“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal.” Esta é a primeira parte da Advertência de Miranda, assim intitulada após um caso nos Estados Unidos, em 1966 (Miranda vs. Arizona). A raiz do preceito, que fala sobre o direito ao silêncio e de não produzir provas contra si mesmo, virou princípio constitucional no Brasil. Porém, em tempos de vídeos e redes sociais, as pessoas podem involuntariamente dar provas contra aquilo que alegaram em juízo.

Um trabalhador buscava prosseguir com uma execução para receber seus direitos (inclusive rescisórios) contra uma empresa que alegava não ter meios para proceder a esses pagamentos. Inclusive, o autor veio a falecer antes de recebê-los, e a ação prosseguiu em nome de seu espólio.

Por fim, o advogado do espólio apontou um sócio da empresa, irmão do suposto dono e, na verdade, real proprietário dela e de todos os bens, inclusive aquele que pôde ser penhorado para garantir a execução. Esse sócio apelou dessa penhora com os devidos embargos à execução; julgados improcedentes em 1º grau, houve apelo ao 2º grau, em agravo de petição.

Os magistrados da 5ª Turma do TRT da 2ª Região receberam e julgaram. No relatório, de autoria do desembargador José Ruffolo, foi rechaçada a alegação do agravante de que não é sócio oculto e, portanto, não faz parte da lide. Ainda de acordo com provas juntadas ao processo (DVD com vídeo), o dono foi filmado prestando testemunho ao líder de uma igreja, falando sobre a “intervenção divina” que lhe permitiu deixar de ser servente de pedreiro para se tornar um empresário bem-sucedido, proprietário de um dos melhores bufês de São Paulo (inclusive do prédio onde ele está instalado) e de carros luxuosos (Porsche, Jaguar, BMW Conversível e Lincoln Navigator).

Ocorre que todos esses bens declarados estão em nome do irmão e sócio (supostamente) oculto. Assim, o acórdão, nos mesmos termos da prova, aduziu: “Por graça do Altíssimo, então, Rinaldo recebeu dádivas celestiais, inclusive o imóvel penhorado, os quais foram registrados em nome de um terceiro, no caso o seu irmão Nivaldo. Então, é possível afirmar que Rinaldo é sócio de Nivaldo não porque assim quiseram os homens, mas sim porque Deus o quis! Ora, não me cabe perquirir Suas razões, estas são insondáveis! O fato é que pagar o que deve também é obrigação do cristão”.

O acórdão prosseguiu: “De consequência, diante da situação fática destes autos, restou demonstrado que os irmãos Rinaldo e Nivaldo ‘têm comunhão de interesses comerciais, com amplos poderes para gerir e administrar os negócios e o patrimônio’; como trata a hipótese de sócio oculto, entendo ainda aplicável, por analogia, o disposto no art. 10-A, parágrafo único, da CLT, segundo o qual o ‘sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato”.

Tampouco foi acolhido o pedido acessório de excesso de penhora, uma vez que “o escopo maior da execução é o de garantir o pagamento da dívida exequenda, não o de evitar causar prejuízo ao devedor.” Ademais, “caso queira livrar o seu patrimônio de eventual depreciação, poderá o executado quitar imediatamente a dívida”. Por isso, o agravo foi julgado improcedente, e a penhora foi mantida, nos mesmos termos.

(Processo 0003021-61.2012.5.02.0202)

Segunda Seção aprova súmula sobre indenização securitária

súmula sobre indenização securitária

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou uma nova súmula no campo do direito privado.

Os enunciados sumulares são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal e servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a sua jurisprudência.

Súmula 616: “A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro.”

A súmula será publicada no Diário da Justiça Eletrônico, por três vezes, em datas próximas, nos termos do artigo 123 do Regimento Interno do STJ.

Natureza da dívida e alta renda do executado autorizam penhora de 15% do salário para quitação de aluguéis residenciais

alta renda do executado

Com base na possibilidade de mitigação das regras de impenhorabilidade dos salários e vencimentos – prevista no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 e na jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, a Quarta Turma autorizou a penhora de 15% da remuneração bruta de devedor que, além de ter uma renda considerada alta, contraiu a dívida em locação de imóvel residencial.

Para o colegiado, além de a penhora nesse percentual não comprometer a subsistência do devedor, não seria adequado manter a impenhorabilidade no caso de créditos provenientes de aluguel para moradia – que compõe o orçamento de qualquer família –, de forma que a dívida fosse suportada unicamente pelo credor dos aluguéis.

Segundo o relator do recurso julgado, ministro Raul Araújo, a preservação da impenhorabilidade em tal situação “traria grave abalo para as relações sociais”, pois criaria dificuldade extra para os assalariados que precisassem alugar imóveis para morar.

Nos autos de ação em fase de cumprimento de sentença, o magistrado de primeiro grau indeferiu o pedido de penhora de 30% da remuneração do devedor dos aluguéis. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Para o tribunal, de acordo com o artigo 832 do CPC, não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis – entre eles os vencimentos, subsídios e salários.

Mitigação

O ministro Raul Araújo apontou que o artigo 833 do novo CPC deu à matéria das penhoras tratamento diferente em comparação com o CPC de 1973, substituindo no caput a expressão “absolutamente impenhoráveis” pela palavra “impenhoráveis” e abrindo a possibilidade de mitigação da regra, a depender do caso concreto.

O relator também lembrou que, da mesma forma que o código antigo, a nova legislação já traz relativizações, como nas hipóteses de penhora para pagamento de prestação alimentícia.

“Então, é para além disso, das próprias relativizações que expressamente já contempla, que o novo código agora permite, sem descaracterização essencial da regra protetiva, mitigações, pois se estivessem estas restritas às próprias previsões já expressas não seria necessária a mudança comentada”,

explicou o ministro.

Despesa essencial

Após essas inovações legislativas, Raul Araújo destacou que, em 2018, a Corte Especial firmou entendimento de que a regra geral de impenhorabilidade de vencimentos pode ser excepcionada a fim de garantir a efetividade da tutela jurisdicional, desde que observado percentual capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família.

No caso dos autos, o ministro lembrou que a dívida foi contraída entre pessoas naturais e tem como origem aluguéis de natureza residencial, ou seja, compromisso financeiro de caráter essencial para a vida de qualquer pessoa.

“Descabe, então, que se mantenha imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração, a pessoa física que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão e não é justo que sejam suportados pelo credor dos aluguéis”,

concluiu o ministro ao acolher parcialmente o recurso e determinar a penhora de 15% dos rendimentos brutos mensais do executado.

AREsp1336881

Operadora não pode rescindir sem motivo plano de saúde coletivo com menos de 30 usuários

Operadora não pode rescindir sem motivo

A Quarta Turma consolidou o entendimento entre os colegiados de direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao estabelecer que as operadoras de planos privados de saúde não podem rescindir unilateralmente e sem motivo idôneo os contratos coletivos com menos de 30 beneficiários.

Ao negar provimento ao recurso especial de uma operadora, o colegiado consignou que, nessa hipótese, as bases atuariais são semelhantes às das modalidades individual ou familiar, em que há maior vulnerabilidade do consumidor.

O caso julgado pelo STJ teve origem em ação ajuizada por uma empresa contábil após a operadora do plano rescindir unilateralmente o contrato coletivo firmado em 1994 e que contemplava apenas cinco beneficiários, todos com idade superior a 60 anos.

Em primeiro e segundo graus, a Justiça de São Paulo julgou a ação procedente e manteve vigente o contrato.

Três espécies

A relatora do recurso no STJ, ministra Isabel Gallotti, explicou que a Lei 9.656/1998 distinguiu três espécies de contratação de plano ou seguro de assistência à saúde – individual ou familiar, coletivo empresarial e coletivo por adesão –, cujas características foram regulamentadas pela diretoria colegiada da Agência Nacional de Saúde (ANS) na Resolução Normativa 195.

Segundo ela, o plano individual ou familiar pode receber adesões livremente de pessoas naturais, “sendo lícitas as cláusulas contratuais que estabeleçam prazos de carência e exigências mais severas ou coberturas parciais temporárias para os casos de doenças preexistentes”.

Já o plano empresarial é destinado ao conjunto de indivíduos ligados a determinada pessoa jurídica por vínculo jurídico empregatício ou estatutário, podendo a cobertura abranger sócios, administradores, funcionários demitidos, aposentados e estagiários, bem como seus familiares.

Por fim, no coletivo por adesão, podem aderir aqueles que tenham vínculo com pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, como conselhos profissionais, entidades de classe, sindicatos, cooperativas e entidades estudantis.

A ministra esclareceu que, para as duas espécies de contratação coletiva – empresarial ou por adesão –, a Resolução 195 proíbe que as operadoras “selecionem riscos entre os beneficiários mediante o acréscimo de exigências diversas das necessárias para o ingresso nos quadros da pessoa jurídica contratante”. No entanto, permite a inclusão de cláusula que preveja o encerramento do contrato ou a suspensão das coberturas, observando, no caso de rescisão imotivada, o prazo mínimo de 12 meses de vigência da contratação e a notificação com antecedência mínima de 60 dias.

Para a ministra, a distinção entre os planos individuais ou familiares e os de natureza coletiva feita pela lei e pela ANS “teve por objetivo conferir maior proteção aos titulares de planos individuais, diante da posição de maior vulnerabilidade do consumidor singularmente considerado e, também, inserir mecanismo destinado a permitir que, nos contratos coletivos, a pessoa jurídica contratante exerça o seu poder de barganha na fase de formação do contrato, presumindo-se que o maior número de pessoas por ela representadas desperte maior interesse da operadora do plano de saúde”.

Regime de grupamento

A relatora ressaltou que, no caso da empresa de pequeno porte, o reduzido número de filiados impõe que “a eventual necessidade de tratamento dispendioso por parte de um ou de poucos deles seja dividida apenas entre eles, ensejando a incidência de elevados reajustes no valor das mensalidades e, em consequência, a excessiva onerosidade para o usuário suportar a manutenção do plano de saúde, inclusive em decorrência da reduzida margem de negociação da empresa estipulante”.

Segundo Gallotti, essas circunstâncias tornam as bases atuariais dos contratos de planos de saúde coletivos com poucos aderentes semelhantes às das modalidades individual ou familiar, sendo essa a razão pela qual a ANS estabelece regras de agrupamento de contratos com menos de 30 usuários, quantidade que instituiu como vetor para a apuração do reajuste das mensalidades de cada um dos planos agrupados.

“Tais contratos devem ser agrupados com a finalidade de redução do risco de operação e apuração do cálculo do percentual de reajuste de cada um deles, com a óbvia finalidade de ensejar a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial da carteira da operadora, evitando, com isso, sejam fadados à extinção, desvirtuando o próprio escopo inerente a contratos de plano de saúde”,

afirmou a relatora.
Em seu voto, a ministra lembrou que esse foi o entendimento adotado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.553.013, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva.

Leia o acórdão

REsp1776047

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