Credores da recuperação podem ser divididos em subclasses por critério objetivo

Credores da recuperação podem ser divididos em subclasses

A criação de subclasses entre os credores da empresa em recuperação judicial é possível desde que seja estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de recuperação, abrangendo interesses homogêneos, vedada a estipulação de descontos que anulem direitos de eventuais credores isolados ou minoritários.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a um recurso do Banco Paulista, credor quirografário de uma empresa em recuperação, e manteve a criação de subclasses de credores aprovada pela assembleia geral. No recurso especial, o banco pedia a anulação do plano de recuperação judicial.

Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso, no caso analisado foi estabelecida uma distinção entre os credores quirografários, reconhecendo-se benefícios aos fornecedores de insumos essenciais ao funcionamento da empresa, prerrogativa baseada em critério objetivo e justificada no plano aprovado pela assembleia dos credores.

O ministro observou que não há vedação expressa na lei para a concessão de tratamento diferenciado entre os credores de uma mesma classe na recuperação judicial.

“A divisão em subclasses deve se pautar pelo estabelecimento de um critério objetivo, abrangendo credores com interesses homogêneos, com a clara justificativa de sua adoção no plano de recuperação”,

destacou o relator.

Interesses heterogêneos

A distinção ocorre, segundo explicou o ministro, pelo fato de a classe de credores quirografários reunir interesses bastante heterogêneos: credores financeiros; fornecedores em geral; fornecedores dos quais depende a continuidade da atividade econômica; credores eventuais; e outros.

“Assim, escolhido um critério, todos os credores que possuam interesses homogêneos serão agrupados sob essa subclasse, devendo ficar expresso o motivo pelo qual o tratamento diferenciado desse grupo se justifica e favorece a recuperação judicial, possibilitando o controle acerca da legalidade do parâmetro estabelecido”,

disse o relator.

De acordo com Villas Bôas Cueva, a providência busca garantir a lisura na votação do plano, afastando a possibilidade de que a empresa recuperanda direcione a votação com a estipulação de privilégios em favor de credores suficientes para a aprovação do plano, dissociados da finalidade da recuperação.

No caso, a empresa recuperanda – distribuidora de solventes de petróleo – criou uma subclasse para os fornecedores essenciais, que representavam aproximadamente 90% do total de compras de insumos, possibilitando, dessa forma, a continuidade das atividades.

Leia o acórdão

REsp 1634844

Ex-sócio não é responsável por obrigação contraída após sua saída da empresa

Ex sócio não é responsável por obrigação contraída

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial do ex-sócio de uma empresa por entender que, tendo deixado a sociedade limitada, ele não é responsável por obrigação contraída em período posterior à averbação da alteração contratual que registrou a cessão de suas cotas.

No caso em análise, o recorrente manejou exceção de pré-executividade após ter bens bloqueados em ação de cobrança de aluguéis movida pelo locador contra uma empresa de cimento, da qual era sócio até junho de 2004. Os valores cobrados se referiam a aluguéis relativos ao período de dezembro de 2005 a agosto de 2006.

Em 2013, o juízo da execução deferiu pedido de desconsideração da personalidade jurídica da executada, por suposta dissolução irregular da sociedade, para que fosse possibilitada a constrição de bens dos sócios, entre os quais o recorrente. Ele então alegou a sua ilegitimidade passiva, pois a dívida se referia a período posterior à sua saída.

No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o ex-sócio responderia pelas obrigações contraídas pela empresa devedora até junho de 2006, quando completados dois anos de sua saída.

No recurso especial, o ex-sócio alegou que o redirecionamento da execução para atingir bens de sua propriedade seria equivocado, assim como a consequente penhora on-line realizada em suas contas bancárias, não podendo ele ser responsabilizado por fatos para os quais não contribuiu.

<h4 class=”titulo”>Responsabilidade restrita</h4>

Para o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, a solução da questão passa pela interpretação dos artigos 1.003, 1.032 e 1.057 do Código Civil de 2002.

“A interpretação dos dispositivos legais transcritos conduz à conclusão de que, na hipótese de cessão de cotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até dois anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade”, disse.

Segundo o relator, o entendimento das instâncias ordinárias violou a legislação civil ao também responsabilizar o sócio cedente pela dívida executada.
Dessa forma, o ministro acolheu a exceção de pré-executividade e excluiu o ex-sócio do polo passivo, uma vez que “as obrigações que são objeto do processo de execução se referem a momento posterior à retirada do recorrente da sociedade, com a devida averbação, motivo pelo qual ele é parte ilegítima para responder por tal débito”.

REsp 1537521

Quarta Turma decide que é preciso perícia para verificar imitação de trade dress

imitação de trade dress

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que apenas a comparação de fotografias pelo julgador não é suficiente para verificar a imitação de trade dress capaz de configurar concorrência desleal, sendo necessária a realização de perícia técnica para apurar se o conjunto-imagem de um estabelecimento, produto ou serviço conflita com a propriedade industrial de outra titularidade.

A controvérsia analisada pelo colegiado envolveu duas empresas do ramo alimentício. Uma delas ajuizou ação indenizatória cumulada com pedido de cessação de uso, alegando concorrência desleal causada pelo pote que a outra passou a adotar para vender geleias. Disse que o vasilhame era bastante similar ao seu, o que trazia prejuízo ao consumidor.

A empresa ré sustentou que o trade dress de seu produto não se confunde com aquele dos produtos comercializados pela autora da ação. Requereu, ainda em primeiro grau, a produção de prova pericial, o que foi indeferido.

Além de entender a perícia desnecessária, a sentença julgou procedente a ação e condenou a ré a se abster de utilizar o pote. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a sentença.

Cerceamento de defesa

A relatora do recurso no STJ, ministra Isabel Gallotti, entendeu que o indeferimento da perícia requerida caracterizou cerceamento de defesa. Para ela, a prova pericial era necessária, uma vez que o acórdão do TJSP confirmou decisão baseada apenas na observação de fotos das embalagens dos produtos alvo de questionamento.

“O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos”,

disse, assinalando que a ausência de tipificação legal e a impossibilidade de registro exigem que eventuais situações de imitação e concorrência desleal sejam analisadas caso a caso.

“Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço”,

afirmou.

A ministra citou diversos precedentes da Terceira Turma no sentido de que, para caracterizar concorrência desleal em embalagens assemelhadas, é fundamental a realização de perícia capaz de trazer ao juízo elementos técnicos imprescindíveis à formação de seu convencimento.

Processo anulado

Segundo Gallotti, a questão em análise é jurídica, pois o recurso não buscou o reexame de provas, mas um pronunciamento do STJ a respeito da necessidade ou não da prova pericial.

“Pede-se, isso sim, pronunciamento a respeito da admissibilidade do meio de prova de que se valeu a corte a quo, mera comparação visual de fotografias das embalagens. A errônea valoração da prova sindicável na via do recurso especial é aquela que ocorre quando há má aplicação de norma ou princípio no campo probatório, o que ocorre no caso”, explicou.

De acordo com a relatora, ao decidir com base em comparação feita a partir das fotos, o TJSP dispensou os subsídios que a perícia poderia trazer a respeito dos elementos probatórios que auxiliariam no julgamento.

Ao dar provimento ao recurso, a Quarta Turma anulou o processo desde a sentença e deferiu o pedido de produção de prova técnica, determinando o retorno dos autos à origem.

Leia o acórdão

REsp 1778910

Ação de prestação de contas pode ser utilizada para apuração de saldo de vendas de consórcio

Ação de prestação de contas

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a validade da propositura de ação de prestação de contas para a apuração de eventual crédito decorrente de contrato de negociação de cotas de consórcio firmado entre duas empresas e uma administradora de consórcios. Ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o colegiado concluiu que a relação entre as empresas configurou o chamado contrato de agência, vínculo colaborativo que impõe a cada parte o dever de prestar contas à outra.De acordo com o contrato estabelecido entre as partes, a administradora deveria exercer a gestão de consórcio para aquisição de bens móveis e imóveis, enquanto as empresas seriam responsáveis pela oferta e comercialização das cotas consorciais aos consumidores mediante remuneração pela administradora.

Em primeiro grau, o juiz reconheceu o dever de prestação de contas pela administradora, determinando que fosse feita em 48 horas. A sentença foi mantida pelo TJSP, para o qual as informações inicialmente prestadas pela empresa de consórcio eram insuficientes para calcular os valores devidos a título de comissão pelas vendas.

Contrato de agência

Por meio de recurso especial, a administradora alegou que, como foram apresentadas as contas voluntariamente e antes da propositura da ação, não seria possível reconhecer o interesse processual para ação de prestação de contas, de forma que a sua utilização representaria um sucedâneo da ação de cobrança.

O relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que a relação estabelecida entre as partes está inserida no conceito de contrato de agência, já que a empresa, mais do que aproximar o consumidor e a administradora, tem responsabilidade pela oferta e venda de cotas, sem vínculo de subordinação e mediante remuneração.

“Nesse cenário, é evidente o dever da recorrida de prestar contas à representada e, por igual, em reciprocidade, da representada à recorrida, sendo corolário lógico o reconhecimento da legitimidade ativa e passiva das partes contratantes. Tanto é assim que a própria recorrente afirma ter prestado as contas voluntariamente, denotando que ela também se entendia como devedora dessa obrigação de fazer”,

afirmou o relator.

Conta-corrente

Ao confirmar o dever de prestar contas, Bellizze apontou que as empresas não eram responsáveis pela conclusão dos negócios jurídicos entre o consumidor e a administradora, de forma que não possuíam amplo acesso aos documentos necessários à apuração de sua remuneração. O relator comentou que a retribuição devida poderia ser influenciada por eventuais desistências dos consumidores.

No caso dos autos, ressaltou o ministro, os pagamentos eram feitos por meio de conta-corrente, na qual tanto os lançamentos a crédito como a débito se davam de forma unilateral pela administradora. Todavia, a discriminação desses lançamentos não é suficiente para esgotar o interesse processual na prestação de contas.

“O dever de prestar contas desborda a mera demonstração pormenorizada, parcela a parcela, dos débitos e créditos, e só será tido por adimplido após serem as contas apresentadas julgadas boas. Não se dando por satisfeito com as contas voluntariamente apresentadas, portanto, remanesce o interesse da parte recorrida em propor a presente ação de prestação de contas. Outrossim, no caso dos autos, como a recorrente resiste até mesmo ao dever de prestar, não é sequer dispensável a primeira fase”,

concluiu o ministro ao manter o acórdão do TJSP.

Leia o acórdão

REsp 1676623

 

Trava bancária de crédito oriundo de garantia fiduciária de empresa em recuperação não pode ser sobrestada

Trava bancária de crédito

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, nas hipóteses de recuperação judicial, não é possível o sobrestamento, ainda que parcial, da chamada trava bancária quando se trata de cessão de créditos ou recebíveis em garantia fiduciária a empréstimo tomado pela empresa devedora.

Para o colegiado, a lei não autoriza que o juízo da recuperação judicial impeça o credor fiduciário de satisfazer seu crédito diretamente com os devedores da empresa recuperanda.

No caso analisado, um banco pediu a reforma de acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que determinou a liberação das travas bancárias que impediam uma empresa de informática em recuperação judicial de ter acesso às contas bancárias e aos valores nelas retidos.

A decisão do TJGO baseou-se na alegação da empresa de que os valores seriam bens de capital essenciais, necessários para o seu funcionamento, e que a utilização da trava bancária poderia constituir grave entrave ao êxito da recuperação judicial.

No recurso apresentado ao STJ, a instituição financeira questionou a decisão, apontando que o crédito oriundo de cessão fiduciária de recebíveis seria extraconcursal, não podendo ser submetido aos efeitos da recuperação judicial por não se constituir em bem de capital.

Bem de capital

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, para ser caracterizado como bem de capital, o bem precisa ser corpóreo (móvel ou imóvel), deve ser utilizado no processo produtivo e deve se encontrar na posse da empresa.

De acordo com o ministro, a Lei 11.101/05, embora tenha excluído expressamente dos efeitos da recuperação judicial o crédito de titular da posição de proprietário fiduciário de bens imóveis ou móveis, acentuou que os bens de capital, objeto de garantia fiduciária, essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial, permaneceriam na posse da recuperanda durante o período de proteção (stay period).

“A exigência legal de restituição do bem ao credor fiduciário, ao final do stay period, encontrar-se-ia absolutamente frustrada, caso se pudesse conceber o crédito, cedido fiduciariamente, como sendo bem de capital”,

afirmou o ministro.
Bellizze explicou que a utilização do crédito garantido fiduciariamente, independentemente da finalidade, “além de desvirtuar a própria finalidade dos ‘bens de capital’, fulmina por completo a própria garantia fiduciária, chancelando, em última análise, a burla ao comando legal que, de modo expresso, exclui o credor, titular da propriedade fiduciária, dos efeitos da recuperação judicial”.

Natureza do direito

Para Bellizze, no caso analisado, a natureza do direito creditício sobre o qual recai a garantia fiduciária – “bem incorpóreo e fungível” –, faz com que ele não possa ser classificado como bem de capital.

Assim, segundo o relator, não se configurando como bem de capital os valores objeto do questionamento,

“afasta-se por completo, desse conceito, o crédito cedido fiduciariamente em garantia, como se dá, na hipótese dos autos, em relação à cessão fiduciária de créditos dados em garantia ao empréstimo tomado pela recuperanda”.

Isso porque, segundo Bellizze, por meio da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, o devedor fiduciante, a partir da contratação, cede “seus recebíveis” à instituição financeira, como garantia, o que permitiria à instituição financeira se apoderar diretamente do crédito ou receber o pagamento diretamente do terceiro.

Ao dar provimento ao recurso para restabelecer a trava bancária, o ministro destacou: “Pode-se concluir, in casu, não se estar diante de bem de capital, circunstância que, por expressa disposição legal, não autoriza o juízo da recuperação judicial obstar que o credor fiduciário satisfaça seu crédito diretamente com os devedores da recuperanda, no caso, por meio da denominada trava bancária”.

Leia o acórdão

REsp 1758746

 

Construtora pode incluir patrimônio de afetação em recuperação judicial

Construtora pode incluir patrimônio de afetação

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) permitiu a uma construtora em recuperação judicial incluir no seu processo todos os credores referentes a um empreendimento com patrimônio de afetação. Isso significa que a devedora vai poder negociar, por exemplo, com o banco que financiou a obra – o que, segundo advogados, não é comum nas decisões sobre o tema.

Ela terá, para isso, que elaborar um plano de pagamento exclusivo para a sociedade de propósito específico (SPE) que foi criada para a construção do empreendimento. Deverá ser realizada uma assembleia de credores separada e o plano terá de ser aprovado de forma independente. Além disso, os ativos dessa obra só poderão ser direcionados a esses credores.

Isso quer dizer que o processo da SPE criada para a construção do empreendimento não poderá se confundir com o das outras empresas, do mesmo grupo econômico, que estão em recuperação judicial (apesar de a tramitação ocorrer em litisconsórcio).

O chamado patrimônio de afetação foi instituído em 2004, pela Lei nº 10.931, como consequência do fenômeno Encol – uma das maiores construtoras do país, que quebrou no fim da década de 90, deixando obras inacabadas e mais de 40 mil clientes a ver navios. A legislação foi criada com a intenção de proteger o consumidor.

Por isso há tanta discussão, no meio jurídico, sobre a possibilidade de as empresas que têm o patrimônio de afetação entrarem em recuperação judicial. A lei prevê, basicamente, que os ativos do empreendimento não podem ser usados pelo incorporador para outros fins – que não o próprio empreendimento – até a conclusão da obra e o cumprimento de todas as obrigações (entrega das unidades e pagamento da instituição financiadora, por exemplo).

Os recursos desse empreendimento, então, não podem servir para o custeio de outras construções capitaneadas pela mesma incorporada. E, da mesma forma, não pode esse empreendimento ser atingido por credores da incorporadora caso ela passe por dificuldade financeira – os efeitos da falência, por exemplo, não atingem os patrimônios de afetação que foram constituídos pelo incorporador.
Para os desembargadores do Distrito Federal que julgaram o caso, no entanto, não haverá confusão patrimonial – e a exigência prevista na lei, sobre a segregação do patrimônio, estará sendo cumprida – se houver um plano de recuperação específico à SPE.

“A decisão não coloca em risco o chamado patrimônio de afetação, ao contrário, confere a incomunicabilidade e autonomia do patrimônio afetado”,

afirma em seu voto a relatora, desembargadora Fátima Rafael.
O entendimento dela, ainda, é o de que não seria razoável impedir tal processo de recuperação só para garantir que o banco receba os valores aos quais têm direito nas datas acordadas. A relatora cita, na decisão, a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O dispositivo estabelece que a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro não tem eficácia perante os adquirentes dos imóveis.

A súmula se aplica, segundo a interpretação da desembargadora, porque o caso em análise envolve uma empresa que não está em boas condições financeiras e que pode se reorganizar em uma recuperação judicial, entregar as unidades habitacionais aos consumidores e com os valores recebidos quitar a dívida com a instituição financeira.

O voto da relatora foi seguido, de forma unânime, pelos demais desembargadores que julgaram o caso na 3ª Turma Cível do TJ-DF (processo nº 0705074-95.2018.8. 07.0000) e permitirá que a empresa negocie, dentro da recuperação judicial, com o banco que financiou o empreendimento e também com os fornecedores da obra.

“Esse patrimônio vai servir para pagar dívidas exclusivas à incorporação”,

diz a representante da companhia no caso, a advogada Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados Associados. O que não estiver relacionado à obra, segundo ela, mesmo que correspondente à SPE, não entra nessa conta. Por exemplo, um empréstimo para custear as ações de marketing.

O patrimônio de afetação não é uma obrigação do incorporador. Ele pode escolher entre um empreendimento com ou sem.

“Existem muitos desse tipo no mercado porque há um incentivo do governo federal para isso”,

contextualiza Alberto Zurcher, sócio do ZRDF Advogados.

“Os tributos que incidem sobre a venda das unidades, que é de 6,73%, cai a 4%”,

acrescenta.

Quando entrou em processo de recuperação judicial, a PDG, uma das maiores construtoras do país, por exemplo, tinha mais de 30 empreendimentos com afetação. A empresa chegou a elaborar um plano de pagamento para cada uma delas – aos moldes do que decidiu o TJ-DF – mas após negociação com os bancos, optou por deixar as SPEs com o patrimônio de afetação de fora do processo. A contrapartida dos bancos, para isso, seria manter o financiamento das obras.

Uma das precursoras dessa discussão, no entanto, foi a Viver Incorporadora e Construtora. A companhia tentou, em um primeiro momento, apresentar um plano único de recuperação para todas as suas empresas – entre elas 16 SPEs com patrimônio de afetação. Desembargadores da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) avaliaram, porém, que o patrimônio afetado sequer poderia ser levado à recuperação.

Ainda não há, no entanto, uma jurisprudência firmada sobre o assunto e especialistas na área acreditam em uma tendência de flexibilização – aos moldes do que ocorreu no julgamento do TJ-DF.

“É preciso possibilitar à construtora a recuperação das suas atividades. Se o patrimônio de afetação estiver sendo respeitado, como prevê o plano único, não há argumentos para não permitir”,

entende o advogado Paulo Palermo, do escritório Palermo e Castelo.

As construtoras, ele diz, precisam de financiamento para a obra porque os adquirentes não arcam com cem por cento do contrato durante o período de construção.

“Só que quando a empresa passa por dificuldades financeiras e deixa de pagar ao banco, ele para de liberar o dinheiro e a obra acaba parando”,

contextualiza. Isso não significa, segundo o advogado, que o empreendimento seja deficitário por si só.

“O que existe é uma necessidade de financiamento. E é por isso que a recuperação judicial casa como uma luva para esses casos. Dá fôlego para a construtora terminar o empreendimento”,

completa Palermo.

 

TJSP Autoriza empresa em recuperação a comprar insumo com crédito de ICMS

tjsp autoriza empresa
O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP autoriza empresa em recuperação judicial usar créditos acumulados de ICMS para a aquisição de matéria-prima e outros insumos de forma livre – mesmo que tenha dívidas com o Estado. A decisão, da 2ª Câmara de Direito Empresarial, beneficia a Vitapelli, uma das maiores do mundo do setor de curtume.O entendimento é importante para as companhias do agronegócio, segundo advogados, porque a Fazenda impõe que 50% dos créditos acumulados sejam direcionados ao pagamento de débitos fiscais. Somente o remanescente, então, é que poderia ser usado para outros fins.Em recuperação judicial desde 2010, a Vitapelli obteve, com a decisão, a liberação de créditos de ICMS gerados entre maio de 2010 e dezembro de 2011 e também de janeiro a outubro de 2012.

Um dos argumentos do Fisco para impedir a liberação era a de que tratava-se de uma devedora contumaz e que se valia do processo de recuperação para não pagar seus débitos. A companhia, segundo afirma no processo, acumula cerca de R$ 300 milhões em dívidas decorrentes de autos de infração e aplicação de multas.

Alegava ainda que mesmo se pudesse utilizar tais créditos, não poderia ser em sua totalidade. Isso por força do Decreto nº 61.907, do ano de 2016, que obriga os setores de carnes e derivados e de couros a destinar 50% para o pagamento de débitos fiscais. Ou seja, somente a metade é que poderia ser usada para a aquisição de matéria-prima e outros bens.

Os desembargadores que julgaram o caso entenderam, no entanto, que a Fazenda não conseguiu provar qualquer tipo de fraude por parte do contribuinte que justificasse o bloqueio dos créditos e ponderaram que o Estado não tem a faculdade de impedir a companhia de usá-los. Especialmente em um processo de recuperação judicial, cuja a utilização de tais créditos interessa não somente à companhia, mas a todos os seus credores.
Sobre a limitação do 50%, eles observaram que não atingiria “as situações de aproveitamento e creditamentos anteriores à sua promulgação”, como tratava o caso em análise.

“Deve prevalecer, no princípio da irretroatividade da norma tributária, a regra então vigente, salvo se a mais recente for a mais benéfica ao contribuinte, o que não é o caso dos autos”,

afirmou o relator, desembargador Ricardo Negrão, no voto (agravo de instrumento nº 2010460-22.2017.8. 26.0000).
A companhia já havia obtido decisão favorável na primeira instância. Quando analisou o caso, o juiz Silas Silva Santos, da 2ª Vara Cível de Presidente Prudente, foi bastante combativo à postura que vinha sendo adotada pelo Fisco – por tratar a recuperação, na visão do magistrado, como um plano para não pagar tributos e por questionar o aumento dos créditos acumulados no período.

“A recuperação foi feita para quê? Para recuperar ou para gerar a quebra? Verifico que, na lógica da FESP [Fazenda do Estado de São Paulo], toda recuperação que der certo constitui sinal de fraude”,

disse na ocasião.

Para Leo Lopes, sócio do contencioso tributário do FAS Advogados, esse caso é uma demonstração do embate cada vez mais frequente entre Fisco e empresas em recuperação judicial.

“Há uma postura litigiosa por parte da Fazenda. Ela não participa do processo de recuperação, não oferece descontos nem qualquer dilação de prazo para o pagamento, mas quer que os seus créditos sejam priorizados”,

observa.

A Vitapelli acumula um volume grande de créditos de ICMS por causa das operações de exportação. Quando a venda é interna, há incidência de tributos no momento da compra da matéria-prima (o que gera crédito) e na venda da mercadoria (o que gera débito). Nas operações de exportação, no entanto, existe a tributação quando a empresa compra do fornecedor, mas não quando vende para o exterior. Trata-se de uma garantia constitucional e, por esse motivo, existe o acúmulo.

A permissão para que as empresas utilizem tais créditos para a compra de matéria-prima e outros bens está prevista na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96) e na legislação de São Paulo de nº 6.374, também do ano de 1996.

“É salutar para a balança comercial. Precisamos disso porque a nossa carga tributária é tão elevada que impede as empresas de serem competitivas no exterior”,

diz o advogado José Francisco Galindo Medina, que representou a empresa no caso.

“Impor obstáculos ao acesso desses créditos faz com que as empresas precisem todos os meses se descapitalizar para fazer frente à carga tributária”,

acrescenta. O impacto, no caso da Vitapelli, segundo o advogado, é de cerca de R$ 1,5 milhão por mês.

Apesar de a decisão do TJ-SP tratar especificamente de uma empresa em processo de recuperação judicial e específica do setor de agronegócio, os advogados Luís Alexandre Barbosa e Denis Araki, do escritório LBMF, chamam a atenção que tem importância também aos contribuintes que não estão nessa situação.

“Os desembargadores estão dizendo que o contribuinte não pode ser surpreendido por uma nova regra. Permitir a aplicação de um decreto que restringe direitos a um período anterior a sua publicação violaria qualquer segurança jurídica”,

diz Barbosa.

A Procuradoria de Assuntos Tributários do Estado de São Paulo tratou a disputa contra a Vitapelli, no entanto, como

“pontual, baseada em fatos bastante circunscritos”,

e afirmou, por meio de nota, que “não há repercussão fora do próprio caso”.

“As normas sobre utilização de crédito acumulado foram alteradas em 2016 e a decisão, no final das contas, envolve questões intertemporais, para determinar a regra aplicável a créditos acumulados antigos do contribuinte”,

acrescentou no texto.

Considerou ainda que não há uma litigiosidade exagerada sobre essa questão.

“É normal para caso antigo de devedor contumaz e em recuperação judicial”,

finalizou.

 

Pular para o conteúdo