Crimes passionais e feminicídio: quando o “amor” dá lugar ao ódio

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É muito triste quando as relações de família ingressam na esfera criminal. Estarrece o número de mulheres agredidas por homens com os quais mantiveram – ou mantêm – algum relacionamento afetivo. O recente assassinato da juíza carioca, Viviane do Amaral Arronenzi, morta a facadas pelo ex-marido, na frente das três filhas, chocou o país. Contudo, o drama é mais extenso do que possa parecer à primeira vista, já que, no Brasil, o feminicídio gera uma vítima a cada sete horas.

Inacreditavelmente, ainda não envelheceu o grito de guerra do movimento feminista brasileiro, talhado sob o influxo do assassinato de Ângela Diniz, em dez/1976: “Quem ama não mata”. Sim, ainda há homens que cometem violência contra a mulher, em nome de um suposto “amor”. Contudo, nada mais equivocado do que, em situações de violência, evocar qualquer ideia de “amor”. É justamente o que não há!

Em 2015, o sistema jurídico brasileiro ganhou o conceito de “feminicídio”: em termos básicos,
serve para qualificar o assassinato de mulheres em circunstâncias domésticas ou de vínculo familiar, de
modo a atribuir maior gravidade ao crime – e, portanto, maior pena. Não falta quem identifique nisso
uma “aberração jurídica”, sob o argumento de que não faz sentido diferenciar o homicídio de mulheres.
Afinal, não deveria haver nenhuma distinção quanto ao valor da vida humana, independentemente do
gênero da vítima.

O argumento é sedutor. Contudo, mais bizarro do que atentar contra a “boa técnica jurídica” é termos uma sociedade que torna necessários tais artifícios, empregados como tentativa de inibir formas recorrentes e históricas de violência, na qual a diferença de gênero não só aparece na gênese do crime, como também em seu tratamento pelo sistema de perseguição criminal. O “Caso Doca Street” é apenas um exemplo disso.

Não se deve, portanto, excluir da “técnica jurídica” considerações de caráter sociológico e histórico. Há quem o faça, e não são poucos, muitos deles com grande estatura jurídica, dos quais, com todo o respeito, ousamos discordar. A utilização do conceito de “feminicídio” produz efeitos práticos positivos, e isso vale mais do que a preocupação com a “qualidade técnica” do sistema.

O advogado de família, quando lida com situações de violência entre as partes, precisa ter muito equilíbrio e discernimento. Quando é que se está diante de um caso criminal, a exigir a intervenção da força do Estado, ou apenas de conflitos que podem ser sanados por abordagens outras, cuja solução fica muitas vezes a cargo do tempo? Como diferenciar as situações em que o tempo tem ação curativa, daquelas em que ele permite a destilação de mortal veneno?

A responsabilidade é enorme, e exige do profissional da área a conjugação de boa qualificação técnica e, sobretudo, experiência. Não deixe de levar isso em consideração quando, num cenário de violência doméstica, precisar contratar um advogado de família.

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A respeito do “Caso Doca Street”, seminal para o desenvolvimento do movimento feminista no Brasil, recomendamos a série de podcasts “Praia dos Ossos”, desenvolvida pela Rádio Novelo.

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