Isso é coisa de mulher (?)

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Em meu artigo anterior, dado o recente falecimento de Doca Street (assassino da icônica Ângela Diniz, em dez/1976), tratei do feminicídio. Aproveitei para sustentar a importância de o sistema jurídico prever penas mais graves para crimes lastreados em diferença de gênero. Contudo, matar alguém é forma extrema de violência. Outras formas há, e mais disseminadas, tendo por alvo a mulher em decorrência de gênero.

Mas é engano pensar que a violência à qual me refiro tem sempre como responsável alguém do gênero oposto… Na área de família, na qual atuo, é possível mencionar muitos episódios em que a violência “de gênero” é praticada por outra mulher. Não é difícil compreender isto: o comportamento das pessoas é regido por sua visão de mundo, e culturas machistas geram condutas machistas, não importando se você é mulher ou homem.

A cultura nos atravessa de tal modo que, salvo quando contrastada com outra (por exemplo: quando viajamos para outro país com padrões distintos dos nossos), não nos damos conta do quanto nos afeta. Quando digo à minha esposa que vou “ajudá-la na arrumação da casa”, talvez esteja assumindo a premissa de que “arrumar a casa” seja obrigação “dela”, e não de ambos. Ora, há bastante tempo as mulheres disputam o mercado de trabalho com os homens. Se antes era possível vê-las como responsáveis exclusivas pela dinâmica da casa e da família, atualmente essa ideia não se sustenta. Até que ponto isso mudou na mente das pessoas (esqueça o discurso que possam ter; atenha-se ao comportamento)?…

Mas o machismo vai além, mostrando-se presente na patente desvalorização da força de trabalho feminina, que serve como prova de que, embora a lei seja importante ferramenta de combate a esse tipo de discriminação, na prática ela acaba tendo parte de seus efeitos driblados pela cultura estabelecida.

A luta da mulher pela conquista de espaço é muitas vezes usada como argumento contra ela própria: “Você não pediu por isso? Agora, aguente o fardo!” Na verdade, argumento grosseiro, na medida em que oculta a ideia de que, se a mulher passa a ocupar maior espaço no mercado de trabalho, cabe ao homem assumir parcela do fardo anteriormente reservado a ela, qual seja, os afazeres com a casa e os filhos. A luta pela igualdade produz necessariamente uma via de mão dupla, mesmo que seja protagonizada por um dos lados.

Nas disputas de família, pode ocorrer que temas envolvendo partilha de bens, guarda de filhos ou alimentos sejam tratados de forma enviesada, comprometendo o alcance de um possível equilíbrio de interesses. Zelar pela família é dever de todos, e, num cenário de conflito, você precisa se cercar de profissionais que tenham essa consciência.

Seja contratando advogado, seja um mediador, caberá a ele atuar como catalisador de uma comunicação saudável entre os envolvidos, atento a um senso de justiça, que apenas pode existir numa perspectiva igualitária.

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