É possível fazer a partilha de bens em vida?

É possível fazer a partilha de bens em vida?

As pessoas costumam perguntar se podem doar seus bens ainda em vida, como forma de antecipar a herança aos filhos e demais herdeiros. Normalmente, quem faz esse tipo de questionamento está preocupado em deixar as coisas bem acertadas, objetivando, com isso, evitar discórdia e brigas entre os entes queridos.

A lei não veda a doação, desde que o doador não o faça prejudicando sua própria subsistência. Exemplo: os pais podem doar seus bens aos filhos, reservando para si o uso e gozo desses bens, enquanto vivos forem (é o chamado “usufruto”).

Contudo, é preciso uma reflexão mais profunda sobre a questão, a qual diz respeito não só ao patrimônio, mas também às relações familiares daqueles que recebem os bens. Imagine a situação de um filho que vem a perder um bem da herança em processo de divórcio, por exemplo. Ou, ainda, a situação em que os filhos, após a doação, deixam de prestar cuidados e atenção aos pais…

Ou seja, existe uma série de detalhes a averiguar para que se encontre a forma mais adequada de realizar a antecipação da herança. Isso até demanda alguma conversa com aqueles que irão receber. E não poderão subsistir receios de melindrar quem quer que seja ou dos desgastes que isso poderá trazer…

Ressalte-se que o sistema jurídico apresenta caminhos para corrigir a situação em que a doação de bens tenha beneficiado apenas a um dos filhos, em detrimento de outros. Esse equilíbrio pode ser buscado no momento de processar o inventário, ou seja, após a morte do doador.

Dentre outras formas de planejamento sucessório, a doação é uma ferramenta importante. Quando envolve bens com valor superior a 30 salários mínimos, deve obrigatoriamente ser feita por escritura pública, junto ao Tabelionato de Notas. Incide aí o ITCMD (Imposto sobre transmissão causa mortis e doação), hoje da ordem de 4% no Estado de São Paulo, e que pode, muito em breve, chegar a até 8%, além de despesas com escritura e registro.

Não se devem ignorar as incontáveis implicações existentes numa antecipação de herança, via doação. Portanto, é recomendável buscar auxílio de profissional gabaritado na área de planejamento sucessório. Evita-se, com isso, que uma provável “solução” venha a se transformar num calvário, com consequências imprevisíveis.

Sobre o tema, consulte nossas redes sociais, especialmente o webinar: planejando a sucessão.

Colação de terreno doado em inventário deve considerar valor certo, e não proveito econômico dos herdeiros

Colação de terreno doado em inventário deve considerar

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) para estabelecer, como método adequado de quantificação de uma doação feita a parte dos herdeiros, o valor certo correspondente à venda de um terreno pelo falecido e sua esposa, cujo crédito foi doado aos filhos e posteriormente quitado por meio da outorga de alguns imóveis erguidos no terreno por uma construtora.

O TJRS havia adotado como critério de cálculo o proveito econômico relativo à outorga dos bens aos herdeiros. Entretanto, a Terceira Turma considerou que o artigo 1.792 do Código Civil de 1916 prevê, para definição do valor de bens doados, o critério objetivo do valor certo ou estimado do bem – no caso dos autos, o crédito pela venda do terreno.

“Esse, pois, é o valor a ser considerado para o fim da colação e de igualação das legítimas, não se prestando para essa finalidade o proveito ou o benefício econômico representado pelos bens imóveis (dois apartamentos e três boxes) que foram posteriormente escriturados em favor dos donatários como forma de pagamento do crédito que receberam como doação do autor da herança”,

afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.
De acordo com os autos, em 1995, o autor da herança e sua esposa venderam um terreno para uma construtora pelo valor de R$ 100 mil. Em 1996, eles cederam o crédito pela venda aos únicos herdeiros nascidos à época da celebração do negócio. Mais tarde, em 2000, como forma de quitação do crédito, a construtora outorgou aos herdeiros escritura sobre dois apartamentos e três boxes erguidos no terreno objeto da venda. O pai dos herdeiros faleceu em 2001.

Na ação de inventário, o juiz determinou, para fins de partilha, que a colação deveria se dar pelo valor dos imóveis construídos no terreno vendido, e não pelo valor do crédito recebido pelo falecido no momento da venda. A decisão foi mantida pelo TJRS.

Salva guarda

A ministra Nancy Andrighi disse que a finalidade da colação é igualar as legítimas, sendo obrigatório para os descendentes sucessivos trazer à conferência o bem objeto de doação do ascendente comum, tendo em vista que, nessas hipóteses, há a presunção de adiantamento da herança.

“Conclui-se, desse modo, que a razão de existir desse instituto está intimamente associada à impossibilidade de se colocar um dos herdeiros em posição de desvantagem em relação aos demais, salvaguardando o direito concedido a todos de tocar parcelas iguais da legítima deixada pelo autor da herança”,

disse a ministra.

Nesse sentido, a ministra explicou que o artigo 1.792 do Código Civil de 1976 (que corresponde ao artigo 2.004 do código de 2002) estabelece, como critério para igualar a legítima, o valor certo ou estimado do bem, não havendo referência ao proveito ou benefício econômico que esse bem eventualmente tenha trazido ao donatário.

Critério objetivo

Segundo Nancy Andrighi, a escolha se justifica pela necessidade de instituir um critério objetivo que não sofra influência de elementos externos de natureza econômica, temporal ou mercadológica, “que, se porventura existentes, deverão ser experimentados exclusivamente pelo donatário, não impactando o acertamento igualitário da legítima”.

Essa é a razão pela qual o parágrafo 2º dos dispositivos nos dois códigos

“excluem da colação as benfeitorias acrescidas, os rendimentos, os lucros, os danos e as perdas relacionadas ao bem doado, aplicando-se o mesmo raciocínio aos proveitos ou benefícios econômicos eventualmente trazidos ao donatário”,

concluiu a ministra ao reformar a decisão do TJRS.

Leia o acórdão

REsp1713098

Tribunal paulista afasta multa em inventários extrajudiciais

multa em inventários extrajudiciais

Os herdeiros que optaram pelo inventário extrajudicial não estão sujeitos à multa de 10% de ITCMD, estabelecida pelo Estado de São Paulo, se não declararem o tributo devido na transmissão de bens em até 60 dias, contados da data da morte. O entendimento é do Tribunal de Justiça (TJ-SP). Para os desembargadores, basta a nomeação do inventariante no período para evitar a penalidade.

O prazo de 60 dias para a instauração de inventário está previsto no artigo 611 do Código de Processo Civil (CPC). Em São Paulo, porém, a Fazenda cobra multa de 10% sobre o valor do imposto em caso de descumprimento, segundo o artigo 21, inciso I da Lei nº 10.705, de 2000. Após a apuração dos bens, deve-se pagar 4% de ITCMD ao Estado.

Nos casos em que a família decide pelo inventário judicial, a abertura é feita por meio da apresentação da certidão de óbito ou do testamento em juízo. O problema ocorre com o processo extrajudicial que, por ser mais simples, não exige protocolo de petição para abertura do inventário.

O inventário extrajudicial foi previsto pela Lei nº 11.441, de 2007, como uma solução mais prática, rápida e barata. Ele só é permitido quando não há litígio entre herdeiros, não há menores envolvidos ou nos casos em que existem testamentos.

Em 2016, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo emitiu o Provimento CGJ nº 55, para considerar a nomeação de inventariante como termo inicial do inventário extrajudicial. Porém, a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo tem desconsiderado esse provimento e determinado que, para se isentar da multa de 10%, é necessário que a declaração eletrônica de ITCMD seja transmitida dentro dos 60 dias após a morte.
Essa exigência, segundo o advogado Bruno Sigaud, do Sigaud Marins & Faiwichow,

“além de ser absolutamente ilegal e descabida, faz com que os herdeiros corram indevidamente para calcular o ITCMD e transmiti-lo dentro dos 60 dias”.

Em alguns casos, em razão da quantidade de bens, não conseguem cumprir o prazo e pagam a multa.
Em um processo julgado recentemente, a 12ª Câmara de Direito Público do TJ-SP manteve sentença (processo nº 1036194-38.2017.8.26.0114) que garantiu a uma inventariante o direito de emitir a guia de recolhimento de ITCMD sem a incidência da multa de 10% por suposto atraso na abertura do inventário extrajudicial. A decisão foi unânime.

De acordo com o voto do relator, desembargador Ribeiro de Paula, a abertura do inventário judicial se dá com o requerimento, instruído apenas com a certidão de óbito do autor da herança. Já no extrajudicial, o procedimento é único com a lavratura da escritura, do inventário e partilha.

“Assim, exigir dos optantes pela via extrajudicial o cálculo e recolhimento do ITCMD na data de lavratura da escritura do inventário violaria o princípio da isonomia, em comparação aos optantes pela via judicial”,

diz o desembargador em seu voto.

Para superar esse tratamento desigual, segundo ele, foi publicado o Parecer nº 195, de 2016, que equiparou a lavratura da escritura de nomeação do inventariante, no inventário extrajudicial, ao requerimento de inventário judicial. Esse parecer, deu origem ao Provimento nº 55, de 2016, de mesmo teor.

No caso dos autos, como o óbito ocorreu no dia 2 de fevereiro de 2017 e a lavratura da escritura de nomeação da inventariante em 31 de março de 2017, 57 dias da abertura da sucessão, não se aplicaria a multa, de acordo com o desembargador paulista.

Na decisão, ele cita outros precedentes do tribunal paulista. Um deles da 7ª Câmara de Direito Público (apelação nº 1013 194-95.2017.8.26.0053) e outro da 11ª Câmara de Direito Público (apelação nº 1009865-75. 2017.8.26.0053).

A jurisprudência do tribunal paulista, segundo o advogado Bruno Sigaud, tem se consolidado no sentido de afastar a aplicação da multa. Ele diz que tem sido aceita a alegação de que a escritura pública de inventariante seria o termo inicial para a abertura do inventário extrajudicial. Apesar disso, a Fazenda do Estado de São Paulo segundo o advogado, continua a não aplicar o Provimento nº 55 da Corregedoria Geral de Justiça, o que tem resultado em novas ações judiciais.

O advogado Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, afirma que todas as decisões encontradas no TJ-SP excluem essa multa quando em 60 dias há a nomeação do inventariante. Segundo Lopes, há uma sequência de procedimentos que devem ser adotados, como a pesquisa para saber se há testamento, a descoberta de quem são os herdeiros, quais são os bens e as dívidas, para depois ser feito o cálculo do ITCMD devido. “Esse prazo de 60 dias seria muito exíguo. Até porque ainda há o luto da família.”

Procurada pelo Valor, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo não deu retorno até o fechamento da edição.

 

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