Alienação fiduciária de imóvel locado e destinado a ponto comercial

Alienação fiduciária de imóvel locado

A proteção do ponto comercial quando o locador deixa pagar parcelas do imóvel em  financiamento garantido com alienação fiduciária

PONTO COMERCIAL

A depender da atividade do empresário e da clientela que o reconhece pelo endereço, o local onde se fixa acaba se tornando em um elemento essencial para o seu desempenho e impacta no sobrevalor do estabelecimento empresarial (fundo de comércio/aviamento).

Em síntese, ponto comercial é um dos bens incorpóreos que geram sobrevalor e integram o estabelecimento empresarial e é o local onde este se situa.

Quando o empresário é dono do imóvel em que funciona o ponto comercial, este é protegido pelo direito de propriedade. Contudo, tratando-se de imóvel locado, a proteção ao ponto comercial decorre de determinadas normas e entendimentos que serão abordados ao longo deste artigo.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL

Por seu turno, a alienação fiduciária é um tipo de garantia real que surgiu para diminuir os riscos dos credores que incrementam crédito no mercado.

A alienação fiduciária, em geral, trata-se de contrato acessório daquele que lhe serve de base (como de mútuo, compra e venda, e outros) e pelo qual o devedor fiduciante transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel e a posse indireta de um bem em garantia de dívida contraída.

A qualidade resolúvel da propriedade perdura até que todas as prestações assumidas na alienação fiduciária estejam pagas. Assim, com o pagamento integral do preço resolve-se a propriedade plena do imóvel a favor do devedor fiduciante, o qual deverá apresentar termo de quitação fornecido pelo credor fiduciário para que o competente Oficial de Registro de Imóveis cancele a garantia fiduciária.

No entanto, com o inadimplemento do fiduciante a posse dele antes considerada justa passa a ser injusta, podendo o credor fiduciário demandar seu crédito pelas vias legais, inclusive consolidando a propriedade do imóvel em seu nome e a partir daí, no prazo de trinta dias, promover o leilão público para sua venda.

Consolidada a propriedade do imóvel, caberá ao fiduciário e ao arrematante: a) a competente ação de imissão na posse; ou b) a denúncia no prazo de noventa dias de eventual locação que tenha como objeto o imóvel garantido e consecutivamente a competente ação de despejo, caso não haja desocupação voluntária no prazo de trinta dias, contados da notificação.

E é a partir disso que surge o problema para aquele empresário que locou imóvel, onde fixou e disseminou seu ponto comercial, e veio a ser noticiado sobre a possibilidade de ter que dele se retirar porque o locador, enquanto fiduciante, deixou de adimplir com o financiamento do imóvel e o fiduciário ou arrematante não mais deseja manter a locação, denunciando-a.

Neste caso, pode o empresário locatário se opor à denúncia do contrato de locação?

CAUTELAS PARA SE EVITAR RISCO DE PERDA DO PONTO COMERCIAL

Antes de mais, é primordial que as partes cumpram os requisitos descritos na Lei do Inquilinato para que o contrato de locação de imóvel tenha plena validade contra eventuais adquirentes, a saber (artigo 8º):

a) o contrato deve viger por prazo determinado;
b) deve conter cláusula de vigência em caso de alienação; e,
c) deve estar averbado na matrícula do imóvel.

Atendidos tais requisitos, em o locador vendendo o imóvel ou o alienando fiduciariamente em garantia de dívida, a relação locatícia estará protegida, pois entende-se que quem o adquiriu, não importa a que título, teve ciência e aceitou os termos e prazos estipulados no contrato de locação.

Portanto, ao empresário que aluga imóvel para nele fixar o seu ponto comercial se recomenda fortemente que tome as devidas cautelas, a fim de não correr o risco de sofrer prejuízos imensuráveis com a perda de seu ponto diante de eventual denúncia do contrato de locação, seja por parte do credor fiduciário, o qual assistido pela Lei que institui a alienação fiduciária de coisa imóvel, seja por parte dos adquirentes/arrematantes, os quais assistidos pela Lei do Inquilinato.

Agora, pensemos que o empresário deseja locar imóvel que já seja objeto de alienação fiduciária em garantia. O ideal é que a locação não ocorra ou que ela ocorra observando-se os requisitos já citados e mais algum outro?

Pois bem, na contratação ou prorrogação de locação de imóvel que já seja objeto de alienação fiduciária em garantia, por prazo superior a um ano, deve ser obtida, para fins de vinculação aos seus termos e prazos, a expressa concordância do credor fiduciário.

Porém, caso o fiduciante, em sua plena liberdade de locar o imóvel, o faça ou a prorrogue por prazo superior a um ano sem a expressa concordância do já existente credor fiduciário, a locação do imóvel cuja propriedade houver se consolidado na pessoa deste poderá ser denunciada com prazo de trinta dias para desocupação. Mas atenção:

O fiduciário não poderá denunciar a locação se do contrato de alienação fiduciária não houver cláusula contratual específica sobre a denúncia de eventual locação ou se o fiduciário deixar de denunciar a locação no prazo legal de noventa dias, contados da consolidação da propriedade no Oficial de Registro de Imóveis!

Acontece que os Oficiais de Registro de Imóveis têm se recusado a averbar contrato de locação na matrícula de imóvel gravado com propriedade fiduciária sem que haja: a) cláusula específica de afastamento do direito de preferência, o que, por razões técnico-legais, não alcança mesmo os casos de propriedade fiduciária e de perda da propriedade por quaisquer formas de realização da garantia, inclusive leilão público; e b) concordância expressa do fiduciário aos termos da locação.

Dito isso, como fica o empresário frente a eventual arrematante no caso de não se ter averbado o contrato de locação na matrícula do imóvel?

MEDIDAS PARA SE OPOR A EMINENTE PERDA DO PONTO COMERCIAL

Partindo da premissa de que a Lei que trata de alienação fiduciária de coisa imóvel não especifica e nem distancia de seus efeitos imóveis que estejam locados para utilização como ponto comercial, firmamos forte opinião em sentido favorável ao empresário locatário e explicamos o porquê:

Em verdade, entendemos que o requisito da averbação do contrato de locação na matrícula não é absoluto, principalmente quando se trata de empresário estabelecido no imóvel locado.

Quanto a este tocante, quem compra ou aceita em garantia coisa imóvel tem plena capacidade de se inteirar sobre a situação dela e, não se inteirando, aceita por sua conta e risco a coisa imóvel nas condições que lhe foi ofertada. E, estando o empresário regularmente inscrito na Junta Comercial e Receita Federal, cujos dados cadastrais estejam indicando como logradouro o endereço do imóvel alienado, tem-se atendida a finalidade da publicidade, autenticidade, segurança e da eficácia aos atos jurídicos praticados.

Por sua vez, o princípio da preservação da empresa serve de instrumento para qualquer empresário e não apenas para aqueles em situação de crise econômico-financeira. Ou seja, serve inclusive para o empresário locatário, o qual além de não estar em mora com suas obrigações ainda necessita da efetivação do direito à proteção do seu estabelecimento empresarial.

Assim, quando no imóvel está acomodada unidade produtiva da empresa e o empresário tem grande clientela que o reconhece exclusivamente pelo endereço, o correto é que referido imóvel não possa ser retomado em favor de mero direito de crédito ou de propriedade.

Em termos práticos, para que o empresário locatário possa permanecer no imóvel sob esse prisma, mesmo após a arrematação em leilão público por pessoa desinteressada pela locação, pode ele tentar ação judicial para obrigar o arrematante do imóvel a receber os aluguéis e obter a manutenção da locação do imóvel com este ocupando a posição de locador.

Em contrapartida, o empresário locatário, por ter notório interesse na manutenção da locação e na extinção da dívida, pode ingressar com ação judicial para fins de purgar a mora (pagar a dívida) no lugar do fiduciante e cancelar ou suspender eventual leilão público ainda não finalizado. Ao fazer isso, o empresário locatário terá o direito de reembolso junto ao locador/fiduciante, o que inclusive poderá ser feito com compensação dos valores dos aluguéis.

Todavia, se o empresário locatário não quiser purgar a mora do locador/fiduciante e se o contrato não estiver averbado junto à matrícula do imóvel, entende-se caber ação de tutela provisória antecedente, de caráter satisfatório, para que passe a constar da ata do leilão público que o imóvel encontra-se locado com destinação para ponto comercial durante determinado prazo e com cláusula de vigência para caso de alienação, suprindo, desta forma, a necessidade da concordância escrita pelo fiduciário e da conseguinte averbação na matrícula, já que quem vier a arrematar o imóvel no leilão terá plena ciência do contrato e a ele estará vinculado.

Aliás, uma opção que não se dispensa, é a que o empresário locatário pode se antecipar à consolidação da propriedade fiduciária, ingressando com ação contra o locador/fiduciante que esteja inadimplente com o financiamento do imóvel, para nesta ação requerer, em caráter de urgência, o arresto dos direitos deste, admitindo que o locatário passe a saldar a dívida do fiduciante junto ao fiduciário, sub-rogando-se nos direitos e obrigações daí decorrentes após de averbado o termo de arresto na matrícula do imóvel.

RENOVAÇÃO FORÇADA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Outro ponto que não podemos deixar de lado é que, uma vez preenchidos os requisitos do artigo 51 da Lei do Inquilinato, os quais já abordados em outro artigo (), o empresário tem o direito de almejar ação para renovar compulsoriamente o contrato de locação contra o locador ou posteriores adquirentes que tiverem ciência da relação locatícia.

Assim, se o contrato de locação tiver sido celebrado antes de realizada a alienação fiduciária, para sujeição do fiduciário ou do arrematante aos efeitos da sentença renovatória basta que estejam preenchidos aqueles requisitos do artigo 8º da Lei do Inquilinato; mas se o contrato de locação tiver sido celebrado depois da alienação fiduciária e sem a concordância expressa do fiduciário, a este eventual sentença renovatória não operará nenhum efeito, mas o mesmo não pode se dizer de eventual arrematante, o qual estará obrigado à renovação por força do que dispõe a Lei do Inquilinato.

O EMPRESÁRIO TEM DIREITO À INDENIZAÇÃO

Na pior das hipóteses, em que o empresário não logre êxito em manter seu ponto comercial, assiste a ele o direito à indenização por perdas e danos e por lucros cessantes, cuja cobrança, a depender das circunstâncias, poderá ser demandada em face do locador ou do arrematante.

De longe sem termos esgotado o tema, conclui-se ser sensato que desde o momento da contratação de locação de imóvel para fins não residenciais sejam atendidos todos os requisitos previstos na Lei, dando-se maior segurança e proteção jurídica ao ponto comercial, para o que se recomenda a participação de profissional qualificado e apto a participar de todas as etapas das relações contratuais.

Contrato de Trespasse Empresarial parte 3

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Parte 3: Contrato de Trespasse e os Direitos do comprador à proteção contra a concorrência desleal e à manutenção dos contratos firmados pelo vendedor com terceiros

Quanto ao tema “Contrato de Trespasse Empresarial”, no primeiro artigo abordamos os conceitos e objeto do contrato e, no segundo, as obrigações que por meio dele se sucedem. Neste terceiro e último artigo, trataremos de um direito fundamental que assiste ao comprador e de algumas implicações que o Contrato de Trespasse Empresarial pode ensejar a outras relações mantidas com terceiros.

IMPLICAÇÕES DO CONTRATO DE TRESPASSE EMPRESARIAL NOS CONTRATOS QUE ERAM MANTIDOS PELO VENDEDOR E QUE SEJAM ESSENCIAIS À EXPLORAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Pois bem, a compra e venda ou cessão do estabelecimento empresarial além de não deixar de fora as obrigações a ele vinculadas, também assim não deixa as relações contratuais, excetuadas aquelas de caráter pessoal, que antes envolviam o empresário vendedor e que continuam a vigorar mesmo após o negócio, por serem essenciais à exploração do estabelecimento.

E é assim porque o Contrato de Trespasse Empresarial tem por escopo primordial a transferência do estabelecimento empresarial de modo a que o comprador possa dele se utilizar livremente, igual como vinha fazendo o vendedor/cedente.

Todavia, os terceiros afetados pela transferência do estabelecimento empresarial podem, por justa causa (exemplo de justa causa: gravame, o desequilíbrio ou alteração da base do contrato, advindos da transmissão do estabelecimento), rescindirem os respectivos contratos, no prazo de noventa (90) dias contados da publicação de edital da transferência em imprensa oficial.

QUANDO DA TRANSFERÊNCIA, COMO FICA O CONTRATO DE LOCAÇÃO DO IMÓVEL ONDE SE SITUA O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL?

Ressalta-se, neste ponto, que prevalece na jurisprudência que o contrato de locação do imóvel no qual se situa o estabelecimento empresarial é de caráter pessoal, ou seja, inerente a pessoa dos contratantes e não ao objeto em si.

Dessa forma, aplica-se a norma específica da Lei do Inquilinato (Art. 13), que impõe obrigatoriedade na obtenção de anuência prévia do locador quanto à alteração do locatário, sob pena de constituir ao locador o direito de denunciar o contrato de locação.

E OS DIREITOS CREDITÍCIOS, COMO FICAM QUANDO DA TRANSFERÊNCIA DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL?

Quando o comprador assume a posição do vendedor/cedente nos contratos antes firmados por este e que tenha sido adimplido apenas por uma das partes, podemos falar em duas hipóteses: a primeira, estudada no artigo anterior, que trata da sucessão das dívidas; e a segunda que trata dos direitos creditícios, esta que passa a ser objeto de análise:

Com efeito, não havendo pelas partes disposição em contrário, os direitos creditícios são cedidos juntamente com o estabelecimento empresarial (CC., Art. 1.149).

Nesses casos, os terceiros, que deviam ao empresário vendedor/cedente, assumem a obrigação de não mais pagarem a este, mas, sim, de pagarem ao comprador e atual titular do estabelecimento empresarial.

Contudo, assim como ocorre em situação inversa, é necessário que seja atendida a cautela fundamental de se atribuir publicidade à transferência do estabelecimento, o que se dá por meio da publicação do respectivo edital em imprensa oficial.

Não havendo referida publicação, caso o devedor pague a dívida ao vendedor/cedente, referido pagamento poderá ser reputado como válido e o comprador deverá cobrar por isso somente em face do vendedor/cedente.

DIREITO FUNDAMENTAL PARA A UTILIZAÇÃO REGULAR DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL PELO COMPRADOR

Ademais, passemos a falar de um direito que assiste ao comprador e que não pode ser deixado de lado nesse tipo de contrato:

A PROIBIÇÃO À CONCORRÊNCIA PELO VENDEDOR/CEDENTE

O comprador do estabelecimento empresarial tem a seu favor proteção legal, que visa a inibir a concorrência desleal por parte do vendedor/cedente.

Deveras, é implícito nos Contratos de Trespasse Empresarial que o vendedor/cedente não poderá se estabelecer em mesma praça e ramo de atividade em lapso temporal de cinco (5) anos subsequentes à transferência, salvo se estiver expressamente autorizado pelo comprador (CC., artigo 1.147).

E é assim porque em qualquer contrato se presume a boa-fé dos contratantes!

Ora, não se espera que aquele que acaba de ceder o estabelecimento empresarial venha a se instalar logo em seguida no mesmo ramo do comprador, a poucos metros de seu antigo estabelecimento.

Caso isso ocorra, o Contrato de Trespasse Empresarial não surtirá os seus efeitos esperados, principalmente quando se trata de estabelecimento de venda direta ao consumidor, pois a freguesia do estabelecimento deixará de lhe acompanhar e passará ao antigo titular do estabelecimento, gerando um estado menos vantajoso ao comprador.

Em outras palavras, não haveria, efetivamente, a venda/cessão do estabelecimento empresarial, porquanto não lhe acompanharia o fundo de comércio-aviamento, o qual, como visto no primeiro artigo, é objeto principal desse tipo de negócio.

Não obstante a previsão legal, as partes podem convencionar cláusulas de interdição de concorrência, que poderá conter limitação geográfica, lapso temporal, perdas e danos, previsão de multa para a hipótese etc., tudo conforme melhor lhes convier para concretizarem o negócio.

Para finalizar, oportuno ressaltar que A PROIBIÇÃO À CONCORRÊNCIA PELO VENDEDOR/CEDENTE se trata de obrigação de não fazer e, portanto, deduzido pedido judicialmente pelo comprador, pode ser imposta multa diária de caráter inibitório (astreinte) enquanto perdurar a situação de violação.

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Áreas do Direito:
Direito Empresarial,
Negócios empresariais

 

Contrato de Trespasse Empresarial – Parte 2

contrato de trespasse empresarial

Sucessão das obrigações na compra e venda ou cessão do estabelecimento empresarial.

No anterior e primeiro artigo sobre o tema “Contrato de Trespasse Empresarial”, dentre outras coisas mais, vimos que referido contrato tem por escopo a compra e venda ou cessão do estabelecimento empresarial como um todo, abrangendo inclusive e obrigatoriamente o aviamento/fundo de comércio, cujo conceito estudamos naquele (união e organização dos bens que agrega aptidão de gerar lucros).

Vimos, ademais, que existe diferença entre o “Contrato de Cessão de Quotas da Empresa” e o “Contrato de Trespasse Empresarial”, sendo que na cessão de quotas o objeto do negócio é a troca da participação societária e no trespasse o objeto do negócio é a transferência do estabelecimento, com sua aptidão de gerar lucros.

Obviamente, a compra e venda ou cessão do estabelecimento empresarial não deixa de fora os direitos e obrigações a ele vinculados.

No Contrato de Trespasse Empresarial o comprador se sujeita como sendo sucessor de direitos e obrigações assumidas pelo anterior titular do estabelecimento empresarial e que a este estejam vinculados.

O estabelecimento empresarial como garantia dos credores do empresário vendedor/cedente
Por integrar o patrimônio do empresário vendedor/cedente, o estabelecimento empresarial, incluindo o aviamento-fundo de comércio, também serve como garantia de seus credores.

Portanto, para que a venda/cessão do estabelecimento empresarial tenha integral validade, seja entre as partes, seja perante a terceiros, deve ela se sujeitar a determinados requisitos legais ou, melhor dizendo, a determinadas cautelas, que visam a tutelar os interesses dos então credores do empresário vendedor/cedente.

Cautelas inerentes ao Contrato de Trespasse Empresarial

E quais seriam essas cautelas?

Para haver validade perante terceiros, o Contrato de Trespasse Empresarial deve ser registrado nos órgãos competentes (Juntas Comerciais; CRI’s; INPI; etc.) e deve lhe ser dada
a devida publicidade mediante publicação de edital em imprensa oficial (CC., artigo 1.144).
Se o empresário vendedor/cedente permanecer com bens suficientes em seu acervo para solver seu passivo, outras cautelas além das citadas no parágrafo antecedente não serão necessárias e o Contrato de Trespasse Empresarial operará plena validade.

Contudo, se ao vendedor/cedente não sobrar bens suficientes em seu acervo para satisfazer suas dívidas, a validade do Contrato de Trespasse Empresarial estará condicionada à anuência/aceitação de seus credores, que poderá ser expressa ou tácita.

Anuência/aceitação tácita ocorre quando o credor do empresário vendedor/cedente se silencia, não manifestando discordância por instrumento hábil, no prazo de trinta (30) dias após o recebimento da notificação (CC., artigo 1.145).

A inobservância das cautelas acima faz com que o Contrato de Trespasse Empresarial não gere qualquer efeito a terceiros. E mais: poderá gerar consequência ainda mais gravosa, ensejando até mesmo – e por exemplo – na decretação da falência do empresário vendedor/devedor (Lei 11.101/05, artigo 94, III, “c”).

Nesse caso, o Contrato de Trespasse Empresarial realizado sem as devidas cautelas e independentemente de haver ou não intenção de fraudar credores não produz eficácia jurídica em relação à massa falida do empresário vendedor/cedente.

Ou seja, todos os bens que integram o estabelecimento vendido/cedido podem e devem ser arrecadados na falência do empresário vendedor/cedente, para conversão em ativo a ser destinado para o pagamento das dívidas (Lei 11.101/05, artigo 129, VI)!

Disso percebemos que o maior preocupado quanto a regularidade do Contrato de Trespasse Empresarial deve ser o comprador/adquirente pois, mesmo após ter pagado o preço combinado pelo estabelecimento empresarial, ele pode vir a perdê-lo frente à eventual falência do empresário vendedor/cedente.

Obrigações assumidas pelo comprador/adquirente

Com relação às obrigações passadas por força do Contrato de Trespasse Empresarial do vendedor/cedente para o comprador/adquirente, oportuno destacar que persiste responsabilidade solidária entre eles pelo prazo decadencial de um (1) ano, que começa a ser contado:
(a) para as obrigações já vencidas, a partir da publicação em imprensa oficial que informar a celebração do negócio; e,
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(b) para as obrigações vincendas e que sejam pré-existentes ao negócio celebrado, a partir do vencimento de cada obrigação.

Decorrido o prazo decadencial de um (1) ano, deixa o empresário vendedor/cedente de responder solidariamente pelas obrigações. Contudo, desde que seja possível ao comprador/adquirente a avaliação da viabilidade da compra, isto é, devem ditas obrigaçõesterem sido devidamente relacionadas e contabilizadas no momento da celebração do contrato (CC., artigo 1.146).
O passivo que não esteja contabilizado e ou escriturado não obriga o comprador/adquirente, nem desobriga o vendedor/cedente, este que responde pelo seu cumprimento.

Porém, exceção à regra existe aos credores trabalhistas e tributários.

Em tais casos, o comprador/adquirente responde pelas dívidas mesmo não estando elas contabilizadas, mas detém para si o direito de regresso face ao vendedor/cedente.

Antes da reforma trabalhista – em meados do ano de 2017 -, os credores trabalhistas podiam demandar contra o comprador/adquirente e o vendedor/cedente solidariamente e independentemente do prazo decadencial, pois diz a regra que os contratos de trabalho são imunes à mudança da propriedade ou estrutura jurídica da empresa (CLT, artigo 448).

Todavia, com a reforma se incluiu no texto legal que as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para o empresário vendedor/cedente, são de responsabilidade do comprador/adquirente, respondendo o primeiro solidariamente com o segundo somente quando restar comprovado ter o negócio se realizado em fraude (Lei nº 13.467, de 2017 incluiu o artigo 448-A, Parágrafo único, na CLT).

Por seu turno, o credor tributário está salvaguardado por condições especificas na hipótese de trespasse empresarial.

Nessa hipótese, deixando o empresário vendedor/cedente de explorar qualquer atividade econômica, a responsabilidade do comprador/adquirente é integral, podendo o fisco cobrá-lo diretamente de todas as dívidas tributárias do primeiro.

Agora, se o empresário vendedor/cedente continuar a explorar alguma atividade ou tornar a fazê-lo dentro de seis (6) meses contados da venda/cessão, o
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comprador/adquirente responde subsidiariamente, ou seja, após de ser declarada a insolvência do primeiro (CTN, artigo 133).

Note-se: a sucessão tributária só se caracteriza se o comprador/adquirente continuar explorando, no local, igual atividade econômica do vendedor/cedente; caso contrário, não mais responderá pelas dívidas fiscais do segundo, nem direta e nem subsidiariamente, salvo se o trespasse empresarial não houver seguido suas cautelas inerentes e tiver motivado a insolvência deste último em prejuízo de seus credores…

Respeitados os credores trabalhista e tributário, podem as partes, empresários vendedor/cedente e comprador/adquirente, inserirem cláusula no Contrato de Trespasse Empresarial impondo a exclusão da responsabilidade solidária. Todavia, isso somente produzirá efeitos entre as partes, de modo que aquele que realizar o pagamento, terá direito à ação de regresso em face do responsável.

De outra parte, caso o credor concorde e autorize expressamente com a transferência do passivo (exceto os credores trabalhistas e tributários), somente poderá ele cobrar do comprador/adquirente. Da mesma forma será se o credor concordar com cláusula contratual de não assunção de dívida, podendo, neste caso, somente cobrar do empresário vendedor/cedente.
Ademais, empresários vendedor e comprador podem pactuar cláusula de “reserva técnica”, possibilitando a retenção de um percentual do valor do preço da transação para ser pago após determinado prazo – recomendável de cinco (5) anos, quando prescrevem as dívidas trabalhistas. Com isso, evitam eventual ação de regresso do segundo em face do primeiro, caso aquele pague dívidas não contabilizadas ou que foram excluídas por cláusula.

Outro ponto importante a ser salientado: o comprador/adquirente não responde pelas obrigações do empresário vendedor/cedente, inclusive as de natureza trabalhista e fiscal, se adquiriu o estabelecimento empresarial via leilão judicial promovido em processo de recuperação judicial ou falência (Lei 11.101/05, artigos 60, parágrafo único, e 141, II).

O Trespasse Empresarial não formalizado e o encerramento irregular do empresário vendedor/cedente

Por outro ângulo, havendo celebração não formalizada do trespasse empresarial, presumir-se-á ter havido entre as partes apenas a compra e venda ou cessão dos bens que incorporam o estabelecimento empresarial e não a venda e compra ou cessão deste.
Entretanto, é do entendimento de alguns julgados a possibilidade de os credores buscarem reverter isso na hipótese de encerramento irregular do empresário
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vendedor/cedente, para o que se exige prova de evidências da “sucessão de direitos e obrigações” 1.

E a sucessão pode ser demonstrada em juízo com evidências concretas, admitindo-se a presunção, sendo que o empresário adquirente ou comprou o estabelecimento empresarial, respondendo neste caso pelas obrigações conforme dito acima, ou recebeu por doação, o que implica em fraude contra credores (CC., artigo 158).

Logo, o empresário comprador/adquirente que assume a posição do empresário vendedor/cedente que se encerrou irregularmente poderá vir a ser chamado para responder pelo passivo de seu antecessor e eventual direito de regresso se tornará ainda mais difícil de ser exercido caso não haja formalização do negócio.

Assim, a observância estrita da norma é requisito indispensável para a celebração de Contrato de Trespasse Empresarial, já que do contrário esse não trará segurança, podendo até mesmo resultar em imensuráveis prejuízos para os envolvidos, principalmente ao comprador/adquirente que sucede, respeitado o direito de regresso, todas as obrigações vinculadas ao estabelecimento empresarial objeto do negócio.

Este foi o segundo artigo sobre “Contrato de Trespasse Empresarial”. Espero que você tenha gostado. Aliás, fique atento(a) às nossas redes sociais, pois muito mais está por vir no próximo e último artigo sobre o tema, no qual trataremos da sucessão dos “direitos” e demais implicações práticas no transcorrer do trespasse empresarial.

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